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Artigo

Portos livres, país próspero

Matheus Oliva

11/07/2025 07h05

Foto: Divulgação

O Brasil nunca avançará com tantas amarras nos portos. O setor é elo fundamental da corrente de comércio exterior, e como tal, deve ser tratado como vetor de estratégia nacional amparado por extrema segurança jurídica e inconteste respeito à lógica econômica para quem nele investe, opera e gera valor. O PL (Projeto de Lei) 733/2025, ora em tramitação na Câmara de Deputados, apresentado em 28 de fevereiro de 2025 pelo deputado Leur Lomanto Júnior (União-BA), é a oportunidade de corrigir falhas em vigor há mais de uma década.

Os portos de todas as nações, por óbvio, sustentam atividades comerciais internacionais. Isso os insere em uma dinâmica de altíssimo grau de incerteza, em que a previsibilidade regulatória deve coexistir com liberdade de adaptação.

Quanto mais liberdade para responder às mudanças, melhor para as cadeias de suprimento, a montante e à jusante, que irrigam a economia do país. A capacidade de terminais portuários, sob arrendamento da União, adaptarem-se rapidamente a ciclos e choques de demanda e oferta é, portanto, um fator de resistência econômica e desenvolvimento social.

Terminais portuários asiáticos e europeus integram inovação tecnológica, racionalidade contratual e regimes laborais multifuncionais. No Brasil, porém, o marco jurídico carrega uma concepção excessivamente centralizadora, verdadeira autofagia burocrática, descolada da dinâmica da economia real, dos investimentos necessários e das relações comerciais inerentes aos contratos de arrendamentos em portos públicos.

A atual Lei dos Portos (Lei nº 12.815/2013), embora tenha representado avanço para os terminais privados, significou um brutal retrocesso nos portos públicos em seus terminais arrendados à iniciativa privada. A lei criou um paradoxo estrutural microeconômico: o governo pisou forte no pedal de aceleração dos investimentos em terminais de uso privados ao mesmo tempo em que pisou forte na embreagem dos portos públicos, resultando numa corrente de comércio exterior que consome enorme energia produtiva sem conseguir avançar.

O primeiro ponto estrutural são os contratos de arrendamento. O ciclo de maturação portuária é longo, os investimentos são vultosos, e a imprevisibilidade macroeconômica exige segurança contratual sólida. A possibilidade de estender os prazos de arrendamento até 70 anos, desde que amparados por projetos concretos de investimento e manutenção de desempenho, não é concessão de privilégio – é aderência à realidade portuária. Mais do que isso, é um imperativo socioeconômico para que o Brasil volte a ser destino de capital produtivo com visão de longo prazo em substituição ao capital rentista que entra e sai do país com o apertar de teclas.

A modernização contratual proposta no PL 733/2025 – com foco em resultados, simplificação procedimental e remoção de barreiras artificiais de entrada, como a precificação vinculante – é igualmente essencial. O contrato portuário não pode ser tratado como um fim em si mesmo, mas como instrumento para entrega de níveis de serviço, ampliação da capacidade logística e dinamização do comércio exterior.

Neste eixo de racionalidade reside também a autorização para que o ente privado realize investimentos, desde que assuma integralmente os riscos, sem necessidade de avaliação ou autorização, apenas com a comunicação para devido registro patrimonial ou não como bem da União. O modelo atual, em que até mesmo melhorias realizadas com capital privado em ativos móveis requerem autorização formal e lenta, é insustentável – técnica e economicamente.

Permitir que operadores atuem com autonomia, sob fiscalização ex post baseada em resultado, é sinal de maturidade regulatória. A inovação logística não nasce de despachos burocráticos, mas da liberdade para responder com agilidade às necessidades e imprevisibilidades das operações de toda uma complexa cadeia logística.

Da mesma forma, a insistência em impor controles tarifários pré-existentes – como a obrigatoriedade de informar preços e receitas – sem que haja fato gerador ou indício de abuso, é um dirigismo ficcional contraproducente e contraria a Lei da Liberdade Econômica (Lei nº 13.874/2019), que garante autonomia contratual, presunção de boa-fé e intervenção mínima do Estado nas relações privadas.

Assim, dentro da mesma Casa Legislativa a atual Lei dos Portos choca frontalmente com a Lei de Liberdade Econômica. A primeira atrasa o elo fundamental da corrente de comércio exterior, a outra ainda não saiu de Brasília em direção aos portos brasileiros.

O segundo ponto estrutural está na capacitação e qualificação dos postos de empregos gerados pelo sistema portuário. O atual modelo, baseado em monopólio, uma anacrônica reserva de mercado de trabalho, não dialoga com a produtividade e muito menos com a realidade operacional contemporânea dos portos.

A rigidez, a monofuncionalidade e a ausência de meritocracia resultam em alocação ineficiente da interferência humana operacional, comprometendo a eficiência sistêmica. O Brasil precisa de um modelo que premie a qualificação, a disponibilidade e a entrega – e não a atual casta exclusivista de trabalhadores que sequer tem a liberdade de mudança de rumo ou progresso em suas próprias carreiras.

A proposta de vincular a prioridade de contratação à certificação profissional reconhecida nacionalmente abre espaço para integrar o Sistema S como vetor de formação de talentos humanos de excelência. O Senai, com ampla experiência no setor portuário e infraestrutura de ponta para qualificação sob demanda, é o agente natural para formar trabalhadores adaptados aos requisitos reais da operação moderna. Os empreendimentos portuários, nesse arranjo, alavancarão o desenvolvimento humano no mercado de trabalho brasileiro.

O país precisa liberar o seu sistema portuário da amarração regulatória que o impede de navegar em direção a mares mais prósperos. Liberdade econômica não é permissividade. É a base sobre a qual se ergue a prosperidade de uma sociedade. Sem liberdade para operar, contratar, investir e inovar, a logística brasileira continuará sendo um entrave – e não um vetor – de crescimento.

Matheus Oliva - executivo, conselheiro de Administração, e estrategista em logística portuária e comércio internacional.

Publicado no Agência iNFRA

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