02/06/2020 10h18
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Depois do recuo registrado pelo PIB de 1,5% no primeiro trimestre, as perspectivas para a economia brasileira seguem desanimadoras. Os meses de abril a junho serão o período de maior retração da atividade, atingida em cheio pelas medidas de isolamento, e a avaliação dominante é que a retomada posterior será lenta. O quadro caótico de combate à pandemia e a tensão política dificultam uma recuperação rápida. Para o ano, há várias projeções apontando para uma contração do PIB de 7% a 8%.
Não só os efeitos mais longos da doença sobre a economia devem tornar lenta a recuperação no próximo ano, como também preocupa o horizonte para o ambiente político, diz Alessandra Ribeiro, sócia e diretora de macroeconomia da Tendências Consultoria. “A gente incorpora isso principalmente via curva de incerteza, que deve ficar muito acima do cenário pré-pandemia, devido ao ambiente político. E os modelos mostram: incerteza alta é investimento para baixo e também limitação ao consumo.”
A Tendências, que trabalha com previsão de queda de 4,1% para o PIB neste ano, vai revisar o número para baixo. “Era um cenário que contemplava medidas de isolamento até fim de junho e retomada a partir do terceiro trimestre. Alguns lugares já flexibilizaram o isolamento, e outros já têm planos para isso, sendo que ainda estamos em um momento de curva ascendente de contágio e óbitos. É diferente do que vimos, por exemplo, em países da Europa. O risco é o quadro pandêmico se impor, com mais contaminação, mortes e sistema de saúde caótico”, afirma.
A economista cita ainda como exemplo o quadro de tensões envolvendo o Poder Judiciário, que, na sua avaliação, não deve se resolver no curto prazo. “O [ministro da Economia Paulo] Guedes está prometendo uma recuperação em ‘V’ e dizendo que o Brasil vai surpreender o mundo, e isso não vai acontecer, então a pressão vai aumentar em 2021”, diz ela.
Dificilmente medidas de afastamento social serão completamente eliminadas no terceiro trimestre, o que reforça o risco de o cenário da pandemia ser pior do que se espera, avaliam os analistas do Banco Fator em relatório. “Desde logo, é difícil que o afastamento seja completamente eliminado no terceiro trimestre. Assim como não se pode esperar que não haja idas e vindas no afastamento, ainda que sem uma segunda onda.”
Para o PIB deste ano, o Fator espera queda de 7,4%, mas a piora esperada para a formação bruta de capital fixo (FBCF, medida do que se investe em máquinas e equipamentos, construção civil e inovação) e para o consumo das famílias nos próximos trimestres pode levar esse número mais para baixo.
No primeiro trimestre, o consumo das famílias caiu 2% em relação ao trimestre anterior, feito o ajuste sazonal, a maior queda desde o terceiro trimestre de 2001, ano do apagão de energia elétrica. O investimento cresceu 3,1%, impulsionado pela importação de máquinas e equipamentos, mas a alta foi pontual. No ano, a expectativa é de queda superior a dois dígitos.
Para o setor de serviços, que já tombou 1,6% no primeiro trimestre, as perspectivas não são boas, diz o Fator, ao falar do principal componente do PIB pelo lado da oferta. “De um lado, o afastamento continuou por abril e maio, pelo menos; de outro, o setor não trabalha com estoques, na medida em que seu produto é fortemente perecível. Assim, empresas de serviços, e trabalhadores informais do setor, que perderam no período de afastamento terão dificuldades de sobreviver e se recuperar.” Ainda pelo lado da oferta, a indústria recuou 1,4%, enquanto a agropecuária avançou 0,6%.
Duas grandes incertezas pairam sobre o futuro da economia nos próximos meses, segundo João Rosal, economista-chefe da Guide Investimentos: a velocidade da volta do convívio social e a capacidade do governo em estimular uma retomada da economia. A Guide estima recuo acima de 10% no segundo trimestre sobre o primeiro e queda de 8% no ano. “A política de controle da epidemia é caótica. Querem reabrir a economia com o número de casos de coronavírus em crescimento”, afirma Rosal.
Na visão do Santander, o resultado do PIB no primeiro trimestre confirmou a aposta do banco de que dois segmentos, o agronegócio e a administração pública, vão agir como amortecedores da recessão, ainda que sem forças para evitar o tombo na atividade.
A agropecuária sustentou alta de 0,6%. “A expectativa da maior safra de soja da história já sinalizava isso. A agropecuária deve continuar funcionando como amortecedor com resultados positivos”, diz Lucas Nobrega, economista do Santander.
O segundo “amortecedor” será via administração pública, que, com defesa, saúde, educação e seguridade social, responde por cerca de 25% do PIB de serviços, de acordo com Nobrega. “Ela ainda mostrou uma queda [-0,5%], pelo compromisso fiscal que o Brasil vivia no início deste ano. A perspectiva é que comece a subir com o aumento dos gastos para combater a covid-19 e sirva, em alguma medida, para amortecer a queda do PIB no segundo trimestre, claro que sem poder de evitá-la”, afirma ele.
Fonte: Valor Econômico