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Editorial

Do círculo vicioso para o virtuoso

Governo quer reajustar valor do salário mínimo apenas repondo a perda da inflação do período, sem valorização real

16/04/2021 13h00

De acordo com dados do Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas (Pnud) divulgados em dezembro de 2020, o Brasil ocupa atualmente o 84º lugar, entre 189 países, no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano, caindo cinco posições em relação ao último levantamento. O preocupante desses dados é que eles são referentes a um ano pré-pandemia, e, principalmente, pelo fato de que em 2019 quase todos os países que integram o ranking do IDH melhoraram suas posições.

Esta premissa é necessária em razão da notícia de que o Ministério da Economia enviou ao Congresso o projeto de reajuste do salário mínimo para R$ 1.147 em 2022, acrescentando, portanto, apenas R$ 47 ao atual valor, que é de R$ 1.100, e representa uma alta de 4,27%. Caso a proposta seja aprovada pelos congressistas, o valor do salário mínimo vai apenas repor a perda da inflação do período, sem valorização real. Antecipando-se, o governo já propôs um salário mínimo de R$ 1.188 em 2023 e de R$ 1.229 em 2024, valores que também levam em conta apenas a reposição da inflação, de acordo com as estimativas do Ministério da Economia.

Quando se fala em salário mínimo, deve-se pensar que ele não serve somente para remunerar uma grande parte da população brasileira, aquela que está na base da pirâmide social. Ele também é uma referência para a fixação de custos e despesas fundamentais para o País, inclusive para os benefícios da Previdência Social o abono salarial, o seguro-desemprego, o Benefício de Prestação Continuada (BPC) e diversos gastos que são atrelados à variação do mínimo.

Com o prolongamento e agravamento da pandemia da Covid-19, a economia nacional está sofrendo um dos maiores impactos negativos de sua história e o governo federal usa esse aspecto para justificar a limitação do reajuste do salário mínimo à inflação anual. Mas, é preciso notar que esse viés puramente numérico e econômico termina por criar um círculo vicioso no qual os maiores prejudicados são, em primeiro lugar, aqueles que mal conseguem sobreviver com o salário mínimo, mas também atinge de volta, como efeito bumerangue, a própria economia nacional.

A queda de cinco posições no IDH decorre, principalmente, desta visão microeconômica, de tentar resolver apenas a questão do caixa do governo, sem olhar para as repercussões negativas no todo. Sem recursos para viver de forma digna, a população que depende do salário mínimo fica cada vez mais distante das prateleiras dos supermercados e dos balcões das lojas, sem falar nos problemas que a má qualidade de vida provoca nas questões da saúde, aumentando os gastos do governo e alimentando as longas filas do SUS.

A insistência nesse rumo faz com que se perpetue no Brasil um quadro brutal de desigualdade social, retrato que é traduzido pelos índices do Pnud. Não por acaso, os três países que lideram o ranking de Desenvolvimento Humano são europeus: em primeiro lugar está a Noruega, com Irlanda e Suíça empatadas em segundo. E, quando se faz a comparação entre os países da América do Sul, a média brasileira é menor do que a de Chile, Argentina, Uruguai, Peru e Colômbia.

Apesar de todas as dificuldades atravessadas pelo Brasil, quadro muito agravado com a pandemia, não há dúvida quanto ao fato da necessidade de criar medidas e estimular políticas públicas que ajudem o País a romper com o círculo vicioso – crise com população mais pobre gera mais crise. E a saída é procurar formas de melhorar a base salarial média da população (para o que o salário mínimo é fundamental), o que gera mais consumo e, em consequência, produz mais empregos e renda.

Ou seja, é preciso ser criativo de modo a fazer com que o Brasil entre num círculo virtuoso e não que se perpetue a grande distância entre a pequena parcela que está no topo com aqueles que integram a base da pirâmide social brasileira.