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Transporte Aquaviário

“América Latina em breve será afetada pela crise do Mar Vermelho”

Lars Jensen, especialista na indústria marítima, projeta aumentos de tarifas devido ao envio de navios para rotas no entorno de África

28/02/2024 14h47

Foto: Divulgação

A crise do Mar Vermelho, uma rota vital para o comércio global, emergiu como um desafio sem precedentes para a indústria marítima. Segundo Lars Jensen, CEO e sócio da Vespucci Maritime e especialista com mais de duas décadas no setor, esta situação forçou uma reavaliação estratégica das rotas comerciais e expôs a interconectividade e a vulnerabilidade do transporte marítimo global. O especialista fez essa avaliação na última edição do seminário Carta Náutica, “Crise do mar vermelho: como a geopolítica afeta o transporte marítimo”, organizado pelo Departamento de Direito Comercial da Universidade Externado de Colômbia.

Impacto da geopolítica no transporte marítimo

O ator principal, segundo Jensen, são os rebeldes Houthi, que operam no Iémen, no extremo sul da Península Arábica, que após o início das ações militares de Israel em Gaza, começaram a pressionar por um cessar-fogo. “É chantagem política, basicamente pressionam Israel para parar, senão atacam os navios”, explica.

Segundo o especialista, embora os ataques Houthi tenham começado em novembro, só ganharam força em meados de dezembro. Desde então, as companhias marítimas optaram por desviar as suas rotas em torno de África, uma medida que, embora aumente os custos e os tempos de trânsito, garante a continuidade do comércio marítimo.

Perante esta situação, explica: “a decisão foi tomada, especialmente pelos EUA e depois pelo Reino Unido, e gradualmente por mais e mais países, de enviar navios de guerra para o sul do Mar Vermelho para proteger os navios. Isso inicialmente levou tanto a MSC quanto a CMA e a CGM a decidirem navegar novamente pelo Canal de Suez porque seriam protegidos pela Marinha.” Contudo, os ataques continuaram levando os navios a retomarem a rota através de África.

Comparação com a pandemia

A crise atual é um reflexo de profundas tensões geopolíticas e de uma guerra assimétrica no mar. Jensen compara esta situação com a pandemia, destacando que, embora os desafios sejam diferentes, ambos os eventos exigiram adaptações significativas na indústria. Embora a pandemia tenha afetado a capacidade e a eficiência do comércio global, a crise do Mar Vermelho desafia diretamente a segurança e a logística do transporte marítimo.

“Demora mais. Da Ásia para a Europa leva mais 7 a 14 dias e da Ásia para a Costa Leste dos EUA até mais cinco dias. São necessários mais navios, custa mais dinheiro, mas o resultado final é que temos navios suficientes. Pode ser feito. É caro, leva tempo, mas é perfeitamente possível. Não foi possível fazer isso em 2021 porque naquela época não tínhamos o suficiente”, compara Jensen.

Efeito na América Latina

Segundo Jensen, a América Latina será em breve afetada pela crise do Mar Vermelho porque a frota mundial mal tem navios suficientes para cobrir a rota em torno de África: “Se tivermos rotas marítimas onde as taxas de frete são baixas, as companhias marítimas irão contratar navios delas e irá transferi-los para rotas em torno de África, que são muito mais lucrativas. Isto é o que eu chamaria de “contágio tarifário”, explica.

O especialista salienta que não é possível, ao longo do tempo, manter esta situação em que uma rota comercial é extremamente rentável e outra não, e por isso as companhias marítimas vão mudar de rota. “Em qualquer rota marítima do mundo, inclusive todas as latino-americanas, eles precisam levar isso em conta. Se você ainda está aproveitando os belos fretes baixos que via antes da crise, aproveite porque não vai durar, não se a crise continuar”, sentencia.

América Latina e o Canal do Panamá

Devido à seca e à consequente escassez de água no Canal do Panamá, o número de navios que podiam transitar pelo canal por dia já estava sendo restringido. Em novembro do ano passado, antes da crise do Mar Vermelho, várias grandes companhias marítimas tomaram alguns dos serviços que costumavam ir da Ásia para a costa leste dos EUA e nos redirecionaram para o Canal de Suez.

Como resultado da subsequente crise do Mar Vermelho, estes navios têm agora também de contornar África. Dado que o Panamá está a limitar o número de trânsitos, a única alternativa será interromper alguns serviços.

Um exemplo prático: “Digamos que eu preciso enviar produtos do Brasil para a Califórnia. Se eu fizer isso, deveria passar pelo Canal do Panamá, mas agora estou competindo com esse espaço por alguém que envie da China para a Costa Leste dos EUA e, no geral, quem ganha essa batalha? “Os importadores que estão dispostos a pagar mais e os bens de consumo de rápido movimento da Ásia para os EUA tendem a ser os que estão dispostos a pagar mais.”

O resultado será que a capacidade relacionada com a América Latina que tem de atravessar o Canal da Mancha será limitada, aumentando assim as taxas de frete para a região.

Planejamento e preparação de longo prazo

Jensen sublinha finalmente a importância do planeamento a longo prazo e da preparação para incertezas futuras, sugerindo que a indústria pode aprender tanto com esta crise como com a pandemia para fortalecer as cadeias de abastecimento e melhorar a gestão de riscos.

Fonte: Mundo Marítimo