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Artigo

Um novo marco legal para o setor ferroviário

Mauricio Prieto

10/12/2020 10h00

Foto: Divulgação

O modal ferroviário é vocacionado para o transporte de grandes volumes de mercadorias a longas distâncias. Tal caracterização se coaduna perfeitamente com as necessidades de um país continental que tem apoiada nos commodities grande parcela de sua economia.

Porém, apesar de a economia brasileira encontrar-se no 9º lugar do ranking global, segundo o Fórum Econômico Mundial nossa infraestrutura ferroviária ocupa a 85ª posição.

Dados do Governo Federal dão conta de que as ferrovias brasileiras transportam apenas 15% das cargas em termos de TKU (toneladas por quilometro útil) - sem alteração desde meados da década de 1990.

A despeito de as concessões levadas a efeito nos anos 90 terem elevado a produtividade e segurança das operações sobre trilhos, sua atual extensão em atividade é a mesma com a qual contávamos nas primeiras décadas do século passado.

Da mesma forma com o transporte urbano e interurbano de passageiros, onde a participação do modal ferroviário também é reduzida. A dependência do modo rodoviário tem como consequência, no caso urbano, o acúmulo de veículos e consequentes engarrafamentos. Já no âmbito interurbano implica em impactos sociais e ambientais.

Este cenário se dá, em grande parte, pela dependência do setor ferroviário em relação a investimentos públicos.

Concessão x Autorização

Nesse sentido é que foi concebido o PLS 261/2018, de autoria do senador José Serra, com a justificativa da “necessidade de um extenso avanço no marco regulatório do setor, de forma a atrair investimentos para aumentar a oferta de infraestrutura ferroviária, impedir a concentração do mercado, reduzir os custos logísticos e promover a concorrência no setor ferroviário, ao passo que se salvaguarda a segurança jurídica”.

O Projeto de Lei encontra-se na Comissão de Serviços de Infraestrutura desde fevereiro de 2019, conta com a relatoria do senador Jean Paul Prates e pretende estabelecer um marco regulatório mais flexível para o setor ferroviário, onde o poder outorgante possa lançar mão da modalidade de exploração ferroviária mais adequada a cada situação.

O PLS institui, paralelamente ao já existente regime público (que se dá mediante outorga, por parte da União, de concessão ou permissão), o regime privado (mediante outorga de autorização).

Nessa última modalidade, que já é realidade no caso dos portos, há maior facilidade em atrair o investimento privado na construção e na operação de ferrovias. O escopo é de tanto oferecer maior liberdade para os investidores aplicarem e gerirem seus recursos, como os obrigar a assumir todos os investimentos e todos os riscos do negócio.

Além disso, inova ao introduzir alguns elementos:

  • Autorregulação técnico-operacional, por meio da constituição de entidade associativa colegiada constituída pelas operadoras ferroviárias, com competência para conciliação de conflitos entre seus membros, excetuados os de ordem comercial;
  • Atuação de um Regulador Ferroviário, órgão da administração pública que terá competência regulatória nos aspectos de segurança do trânsito e do transporte ferroviário, na resolução de contestações e decisão sobre os conflitos ferroviários, além da fiscalização nas ferrovias associadas à autorregulação, quanto a aspectos de segurança;
  • Liberdade para estabelecer preços, que estarão sujeitos apenas à supervisão dos órgãos de controle da concorrência e de defesa do consumidor;
  • Liberdade das operadoras ferroviárias para negociar entre si o compartilhamento de infraestrutura ferroviária, desde que atendida a regulamentação pertinente;
  • A autorização passa a ter prazo determinado, de 25 a 99 anos, proposto pelo requerente e com possibilidade de renovação (as concessões se davam por 30 anos);
  • Classificação de eventuais acidentes segundo critérios de gravidade, previsibilidade e inevitabilidade, o que afasta a possibilidade de uma empresa ser punida em ocasiões em que estes ocorram por condições fora do seu controle.

Interesse e tramitação futura

O governo brasileiro tem demonstrado grande interesse na aprovação do projeto, com atuações tanto do Ministério da Economia como do da Infraestrutura cujo titular, Tarcísio de Freitas, já afirmou que o governo tem como meta dobrar a participação do modal ferroviário na matriz de transportes em até oito anos.

Também alguns investidores estrangeiros já sinalizaram disposição em participar dessa nova etapa da evolução dos transportes no Brasil.

Na medida em que se tenha negociado um acordo no colégio de lideranças partidárias no Senado, o parecer pode ser levado diretamente ao plenário para votação, ainda no mês de dezembro de 2020.

A liberalização normativa e, consequentemente, econômica das atividades no país, e especialmente no que respeita ao transporte ferroviário, estimula a expansão da malha, a concorrência e a redução do chamado “custo Brasil”. Assim, é determinante para a sua atuação competitiva em mercados cada vez mais exigentes, seja em termos de custo como de qualidade.

Mauricio Prieto é sócio diretor da Synerhgon, empresa de consultoria multidisciplinar com foco no resultado. [email protected]