12/05/2025 06h04
Foto: Divulgação
Fica para o jornalismo investigativo, ou para a academia, estabelecer a autoria e data de nascimento da expressão “apagão logístico”. Mas, desde logo, pode-se cravar três afirmações:
i) Vai ser preciso uma boa pesquisa, pois há muitos anos (ou décadas?) que trombamos com tal expressão em reportagens, artigos e discursos.
ii) A realidade teima em contrariar a repetida profecia. P.ex; em relação aos patamares pré-pandemia (2019) nossa corrente de comércio cresceu, pasmem, 47% (US$ 599,5 X 407,0). Só nesse Século XXI mais que quintuplicou (média anual de 7,2%, com pandemia e tudo!). E segue crescendo em percentuais anuais nunca inferiores aos do PIB. Por vezes bem maiores.
iii) A analogia logística-eletricidade envolve mais diferenças que semelhanças.
Está, assim, mais para uma impropriedade conceitual. P.ex: bairros, cidades e regiões, como aconteceu com São Paulo e, mais recentemente, com a península Ibérica, quando dos blecautes, chegam a ficar totalmente no escuro.
Na logística é difícil imaginar-se algo similar: custos e tempos podem crescer, filas colossais podem ser enfrentadas (como há semanas em Miritituba-PA), rotas alternativas são buscadas (como quando ruiu a ponte TO-MA). Mas, parodiando Milton Nascimento, “a carga vai aonde o povo está”. De alguma forma ela acaba chegando... o que nem sempre é o caso da energia elétrica!
Tais desempenhos no comércio exterior não teriam acontecido, é obvio, se as artérias logísticas brasileiras não tivessem sido ampliadas e/ou diversificadas quase que continuamente nos últimos tempos. Portuariamente, p.ex, a movimentação quase quadruplicou desde as vésperas do início do mais recente ciclo de reformas portuárias brasileiras: 341 Mt (1992) X 1.320 Mt (2024). No caso de Santos, o maior complexo portuário, ainda mais: quase 6 vezes (34 X 179,8 Mt)!
Os arranjos logísticos exportadores do Arco Norte surgiram nesse período, alcançaram praticamente “empate técnico” com Santos, e se preparam para exportar metade da soja brasileira até 2030. A movimentação ferroviária quase triplicou (TKU) desde as concessões no final dos anos 1990. Sem contar com expansões e modernizações, ainda que localizadas, da malha rodoviária; e com proliferação de centros de distribuição e plataformas logísticas.
No tocante a contêineres, o Brasil movimentou ano passado, segundo as bem-organizadas e detalhadas estatísticas da ANTAQ (distintas e mais conservadoras que as da APS), 13,9 milhões de TEUs. Esse desempenho é 32,4% superior ao do período pré-pandemia (2019), quando foram movimentados 10,5 milhões: crescimento médio anual de 5,8%. Ou mais 3,4 milhões de TEUs anuais (aproximadamente o que movimentavam, naquela época, BTP e SBR juntas).
Em termos de crescimento, 2024 foi um ano de recuperação: após quedas anteriores e oscilações durante a Pandemia, todos os portos do Sul-Sudeste, cujos hinterlândias são em muito superpostas, experimentaram crescimentos. Alguns vigorosos, como os do Sudeste (21,5%); com destaque para os do RJ (70,0%!), seguidos do ES (34,7%).
Ou seja, a discussão não é se há necessidade de se prosseguir com aumento de capacidade para movimentação de contêineres no País (visando minimização de filas, redução de demurrages, aumento de competição, etc); particularmente nos portos do Sul-Sudeste, responsáveis por 80,6% do volume nacional (quase metade em Santos - 34,5%). Mas quando (timing), quais portos (hierarquia) e como (estratégia e modelagem).
Claro que, com uma logística ainda mais eficiente, o tal “Custo Brasil” poderia ser hoje menor. Como exercício, se apenas alcançássemos os padrões médios dos países da OCDE, deixaríamos de despender, anualmente, algo como 2,9% (11,6% X 8,7 %) do PIB (R$ 350 bilhões).
Tal “gordura” economizada poderia viabilizar maiores ganhos para os produtores, e/ou maior competitividade dos produtos brasileiros, e/ou mais recursos para novos investimentos em novas e/ou mais eficientes “soluções logísticas”. Estas, por sua vez, poderiam viabilizar menos perdas, riscos e custos menores no abastecimento interno; a exploração de sítios minerários latentes (p.ex, da BA e PA); impulsionar o agronegócio do Centro-Oeste para que possa contribuir, ainda mais, para reduzir a fome no Mundo; e/ou a indústria nacional, tanto para resgatar espaços perdidos no mercado internacional como para conquistar novos.
O que está em pauta?
O PAC anunciado para o triênio 2024-26, prevê 33 outorgas no setor portuário. A grande maioria são arrendamentos, em geral, de pequeno e médio porte. Suas 2 grandes vedetes estão em Santos: o túnel Santos-Guarujá e o STS-10 (agora rebatizado de “Tecon Santos-10”).
Ambos os planos/projetos sofreram idas e vindas, definições e redefinições nos últimos anos. Mas, pelas últimas iniciativas, parece que os processos voltaram a andar, e que irão a leilão, neste ou no próximo ano.
O STS-10, apresentado como solução, no horizonte visível, para as “restrições de capacidade” de contêineres, em Santos e no Sul-Sudeste, foi qualificado pelo PPI para arrendamento há 4 anos (Resolução nº 172 – 27/ABR, e Decreto nº 10.743 – 8/JUL).
Ao longo desse período sua modelagem foi submetida a consultas/audiências públicas, eventos e debates específicos promovidos pelo TCU (que tem tido uma singular atuação na definição da estratégia para a “solução do problema”). Também algumas renhidas tertúlias (no padrão Fla X Flu); alimentadas por análises de especialistas contratados, e referências internacionais selecionadas para subsidiar argumentos e presença sazonal na mídia:
Ainda no governo anterior, foi a questão da participação no leilão: verticalização, ganhos de escala, monopsônio e “self-preferencing” foram elementos desse debate que, incidentalmente, volta a ocupar espaço na mídia. Já no atual, quando o TCU “determinou” a retomada do processo, em AGO/24, duas outras questões: a (real) urgência do arrendamento (em função de iniciativas de expansão prevista dos terminais existentes) e sua localização e leiaute (ante planos alternativos da APS que demandaria, mais que um novo leiaute, um novo arranjo para aquela região do Porto). Essas questões, a se julgar pelo Edital e Minuta de Contrato apresentados na recente AP, estão superadas.
A árvore e a floresta:
Mas há outras questões, relevantes que, curiosamente, não têm estado no proscênio das análises e discussões:
Um parêntese: lógico que a defesa das diversas teses e propostas é normalmente feita como em defesa do interesse público, do Brasil; e é apresentada como se resultante de uma análise “técnica”; não é? Lógico que qualquer alternativa locacional envolve interesses que seriam, ou beneficiados ou contrariados (de arrendatários e TUPs, existentes ou planejados; de TRAs, armadores, embarcadores, etc). Não seriam tomadas melhores e mais consequentes decisões se fossem desvelados, explicitamente enunciados e, transparentemente debatidos e tratados os “interesses” das diversas partes interessadas? Não seria um importante subsídio para a ANTAQ ter mais segurança na análise e decisão sobre as 513 “contribuições”? De forma mais ampla, não está na hora de, a par das tecnicidades e dos objetivos estratégicos do País, “interesse” passar a ser uma variável de planejamento?
Fechando o parêntese: a despeito de todas essas questões, não ou mal tratadas, a principal interrogação sobre o processo do STS-10 não é sobre alternativas locacionais: é sobre uma (surpreendente) limitação endógena da sua modelagem:
Como o arrendatário poderá assumir compromissos se não tem claro ser uma “obrigação”, da APS, dos concessionários ou, mesmo, do Poder Concedente, prover conexão do STS-10 à malha ferroviária da Baixada Santista? Vai-se deixar para que “as abóboras se acertem no andar da carroça”? Vai-se defender a omissão com o discurso de “o ótimo é inimigo do bom”? Vai-se repetir a experiência dos arrendamentos de celulose (pátio, Marimex, etc)? Felizmente, ao que se sabe, dentre as “contribuições” apresentadas pós-AP, há algumas no sentido de corrigir essa grave lacuna: que a ANTAQ as escolha e endosse!
Aumento de capacidade portuária é, apenas, um dos elementos do aumento de capacidade logística. Aliás, mais que isso, “logística é mais; muito mais que transporte!”, como intitulei um singelo artigo há 14 anos atrás.
Em síntese: i) se a opção for pelo STS-10, há o que fazer para que ele não seja, apenas, uma (acanhada) “solução portuária”. ii) se os TUPs forem considerados como parte da solução, não haveria algum tempo a mais para se pensar melhor e de forma mais integrada? iii) ampliando-se o zoom, São Sebastião pode ser uma alternativa disruptiva; uma solução “de gente grande”! iv) Além de Itajaí, com as novas alternativas ferroviárias que se anunciam, outros portos podem passar a ser considerados nos cenários futuros de aumento de capacidade de contêineres; ao menos, para o Sul-Sudeste brasileiro.
A oportunidade é única para se “pensar fora da caixa”. Para um plano/projeto paradigmático para a logística brasileira do Século XXI.
Parodiando conhecida marca esportiva, “just do it”!
Frederico Bussinger – Engenheiro, economista e consultor. Foi diretor do Metro/SP, Departamento Hidroviário (SP), e da Codesp. Também foi presidente da SPTrans, CPTM, Docas de São Sebastião e da Confea.
O conteúdo dos artigos é de responsabilidade dos seus autores. Não representa a opinião do MODAIS EM FOCO.