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Entrevista

Recuperação seguirá em ritmo mais lento a partir de agora

O economista Luís Paulo Rosenberg, fundador da Rosenberg Partners, diz que o Brasil caminha na direção certa

18/11/2020 23h10

Foto: Divulgação

O sócio fundador da Rosenberg PartnersLuis Paulo Rosenberg, 76 anos, avalia que a prévia do PIB demonstra recuperação sólida da atividade econômica, à medida que é flexibilizado o isolamento social. O IBC-Br, medido pelo Banco Central, apontou alta de 9,47% no 3º trimestre ante os 3 meses anteriores.

“Esse dado do Banco Central pode criar uma expectativa altamente eufórica, que não se concretizará. Mas estamos caminhando na direção certa. O número de pessoas empregadas vai estar crescendo o tempo todo daqui para frente”, afirmou Rosenberg em entrevista ao Poder360.

O aumento na atividade real de maio a setembro foi impulsionado pelo relaxamento gradual dos protocolos de distanciamento social e generosas transferências do auxílio emergencial. Na medida em que esse benefício é reduzido de R$ 600 para R$ 300, há redução no consumo.

Rosenberg é bacharel em Economia pela USP (Universidade de São Paulo), mestre e PHD em economia pela Vanderbilt University. Já atuou como assessor do ministro Delfim Neto, responsável pelos setores de Ciência, Tecnologia e Investimentos em Energia e como assessor econômico do presidente José Sarney. O economista foi membro da equipe de negociação com o FMI (Fundo Monetário Internacional), comentarista econômico da BandNews FM, professor universitário, superintendente do IPEA e membro do conselho das empresas Suzano, Nestlé e Banco BBVA. Foi vice-presidente de marketing do Corinthians de 2008 a 2011.

Como o sr. avalia o resultado da prévia do PIB, que registrou crescimento de 9,47% no 3º trimestre, na comparação com o trimestre anterior?

O governo foi extremamente feliz na forma como enfrentou a pandemia. Ele fez 1 pouco de tudo. Não fez 1 confinamento tão rigoroso como os cientistas gostariam, mas fez o suficiente para que a trajetória de queda de mortalidade tivesse sido alcançada. Por outro lado, na economia, ele não só conservou uma política monetária muito anti complacente, mas teve a coragem de fazer expansionismo fiscal absolutamente correto – no mesmo padrão dos Estados Unidos. Nós tivemos o 2º e o 3º trimestre muito melhor e alinhado aos países que melhor se comportaram no enfrentamento da crise. Mas nós vamos ter uma diminuição desse suporte. E nós temos, com a liberação do isolamento, uma inevitabilidade do crescimento de casos. Está acontecendo no mundo inteiro. É só você circular pelas praias e você vê que o brasileiro ficou de ‘saco cheio’ e foi para a rua. Eu acredito, infelizmente, que esse número é o último bom que vamos ter. Daqui para frente, vamos continuar em crescimento sem essas explosões [do 3º trimestre]. Acho que 1 crescimento de 3% em 2021 é algo bastante sensato. Se não for 3%, vai estar mais perto de 3,5%. Não acredito nem em 2% e nem em 4%.

Esse crescimento apenas recuperaria o patamar perdido em 2020. É 1 aumento significativo?

Quando você vê o que poderia ter sido essa pandemia, acho que é bem tolerável. Tem que dar uma nota 8 ou 8,5 para o governo.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, comentou nesta semana que o auxílio emergencial será prorrogado em 2021, se houver uma 2ª onda de covid-19. É uma boa sinalização?

Sem dúvida! O que ele está dizendo é o seguinte: ‘A questão fiscal é fundamental, mas não está acima da manutenção da economia’. Qualquer aluno do 1º ano de economia sabe que o deficit fiscal é muito grave quando você tem pleno emprego. O que ele está querendo dizer é: ‘Se eu estou tendo 1 afrouxamento da demanda agregada pelo setor privado, eu vou entrar com ajuda para sustentar.’ E isso dá uma tranquilidade para o mercado.

O que não se pode fazer é a besteira de dizer ‘risco de hiperinflação‘. É o bombeiro que chegou para apagar o incêndio e dentro do caminhão pipa tem álcool. Ali foi o velho Paulo Guedes intempestivo. Desta vez [ao falar em prorrogar o auxílio, se necessário] é o velho ministro da Economia formado em Chicago, bem preparado, como é o Paulo. 

Guedes, ao falar sobre hiperinflação para reforçar a necessidade das privatizações, utiliza 1 discurso correto?

Errado, o ministro da Fazenda não fala em hiperinflação. Aliás, nem existe o risco. O que ele tá falando, pô? Nós chegamos a ter 20% de inflação mensal e não formos para a hiperinflação. Há 1 encurtamento de prazo nos títulos públicos. O que vai fazer o cidadão que está com liquidez na mão, senão aplicar na taxa de juros que o governo mandou. Esse risco não existe no 1º –e espero que no único– mandato do Bolsonaro.

Para forçar uma consciência de austeridade fiscal, ele ameaça com hiperinflação. Não é assim que se faz.

O governo espera que a dívida pública atinja 96% do PIB no final do ano. Ao mesmo tempo, está buscando uma forma de financiar 1 novo programa social para substituir o auxílio emergencial. Isso tem causado apreensão no mercado por causa da possibilidade de o governo furar o teto de gastos. Como o sr. avalia isso?

Vamos falar sobre o teto de gastos. Você já viu coisa mais imbecil que essa? Você não diz como vai segurar as partes, mas diz que a soma não pode passar de tanto. Só no Brasil alguém acha que botar 1 teto sem tratar das partes é solução para qualquer problema. Vai dar nisso que deu. Veio uma pandemia –apesar de o governo estar trilhando uma rota de diminuição do deficit fiscal– e teve que entrar com recursos para compensar. Não é porque existe uma questão legal, que você vai deixar o país se arrebentar. É só seguir o exemplo dos Estados Unidos. Estamos fazendo em melhor escala o que a economia liberal mais competente está fazendo. 

A dívida não pode aumentar porque você está dando bônus para funcionários público. Isso leva ao descrédito do título público. Se há uma ameaça [pandemia] como essa e você acha que tem que gastar botando dinheiro no bolso do setor privado, tanto de empresas como indivíduos para sustentar a atividade econômica. Isso não está errado. [A dívida] vai bater 95% [do PIB]? Pode bater 110%. Não existe 1 número mágico a partir do qual a dívida se torna incontrolável. Tem muito mais a ver com a expectativa em relação a isso. Foi 1 evento necessário? Foi 1 evento que vai ser removido? Continua tendo uma mentalidade de controlar o deficit fiscal? Sim.

Está se fazendo 1 auê como se fazia antigamente sobre taxas de juros. O Brasil sempre teve a taxa de juros mais alta do mundo porque teve 1 passado inflacionário. Parecia frade capuchinho que fica dando chicotada ficava dando nas costas pelos pecados passados. Acabou. Hoje é uma economia normal. Estamos tendo aumento de preços porque o mercado internacional subiu commodities. Não tem nenhum processo inflacionário acontecendo no Brasil. O que está subindo é o índice de preços.

A inflação me assusta quando você vê uma generalização. Não há expectativa de repasse automático como havia na época da indexação. Nós vamos sofrer. Você está vendo a classe baixa tomando inflação pesada. Mas houve uma acumulação de poupança com a sobriedade do povo brasileiro quando recebeu os R$ 600. Estamos numa situação de normalidade. [A inflação] vai ser perto de 3% – abaixo do teto da meta. O maior problema da economia brasileira é a crise da pandemia. Não é a questão fiscal, monetária e inflacionária. É esse o foco que a gente tem que dar.

Ao mesmo tempo que há esse debate, há alguns ruídos por parte do governo. O presidente Jair Bolsonaro ameaçou com “pólvoras” os Estados Unidos. Também chamou de “maricas” as pessoas que têm medo da pandemia. Como o sr. avalia esses ruídos?

A semelhança entre ele e o Trump é muito grande. Mas acho que ele tem uma vantagem. Ao mesmo tempo que ele solta uns absurdos, que talvez só 10% da população receba com agrado, ele retrocede com muita facilidade. Ele voltou atrás de todas as grandes bobagens. Desde atacar Supremo, costumes, etc. É muito ruim, mas muito ruim, principalmente, para ele. As chances dele se reeleger soltando essas baboseiras diminui. Agora, se você notar bem na parte econômica, nunca teve nenhum disparate. Ele diverge em algumas coisas com o Paulo. Mas, na verdade, o Paulo continua ministro, poderoso, avançando devagar, mas sempre na direção certa. Não estamos com 1 populista no governo. Para a economia, isso é plenamente administrável. 

O sr. acha que o Guedes continua fortalecido, mesmo com alguns vetos do presidente, como nas formas de financiar o Renda Brasil, por exemplo?

Veto do presidente é absolutamente normal. Nós elegemos o Bolsonaro, não o Paulo Guedes. Quem trabalhou no governo, seja o Delfim Netto na ditadura, seja o Antonio Palocci no [governo] Lula, leva a posição dele, mas quem tem que tomar a decisão é o presidente, ponderando todas as pressões que ele sofre.

Quando o presidente diz que está de ‘saco cheio’ de sofrer na Presidência, não é por causa das pressões que ele recebe. O que o presidente faz o dia todo é dizer não para aliados. A Presidência é muito custosa emocionalmente –e provoca esses arroubos dele.

Acho o Paulo tão poderoso como qualquer ministro da Economia passado. Ele está fazendo 1 trabalho excepcional. As coisas só não avançam porque o Brasil é assim. Existe 1 conflito. Nós temos 1 Congresso muito mais moderno do que no passado, mas metade dele continua sendo a velha guarda.

O importante é ter alguém conversando e fazendo essa união. O centrão pode desempenhar esse papel. A gente tem uma repulsa ao centrão, mas uma coisa ninguém pode negar. O centrão faz aquilo que vai garantir a reeleição dos seus membros. Se você acredita na democracia, ele é 1 fator de balanceamento. Se a gente transferir para a sociedade o recado correto de que precisa de austeridade, encolher o governo, transferir para o setor privado as atividades produtivas que fazemos melhor do que eles, o eleitor vai referendar essa posição. O centrão sente isso e se ajusta precocemente.

O governo criou o programa emergencial de suporte a empregos, que acaba no final do ano. Há risco de as empresas começarem a demitir em massa no início de 2021 ou o mercado de trabalho vai retomar lentamente?

Acho que vai retomar lentamente. Uns dos maiores avanços que a gente fez nos últimos 3 anos foi essa flexibilização da lei trabalhista. Quando você tira uma regalia do trabalhador, a impressão é que você é contra o trabalho. Realmente, quando você tira, o grupo que está trabalhando sai prejudicado. Mas é uma escolha que você faz entre manter o poder aquisitivo de quem está empregado versus trazer mais gente para o mercado de trabalho. Quanto menos restrições você impõe, maior é a disposição do empresário contratar. Essa caminhada que não pode morrer. Acho que não vai acontecer nada de explosivo na virada do ano. Acho que o mais importante numa hora como essa é buscar acelerar as condições de criar emprego – muito mais importante do que preservar esse ou aquele privilégio. Acho que a gente não vai ter 1 processo tão gostoso como a gente queria. Esse dado de hoje do Banco Central pode criar uma expectativa altamente eufórica, que não vai ser o caso. Mas estamos caminhando na direção certa. O número de pessoas empregadas vai estar crescendo o tempo todo daqui para frente.

O ministro da Economia quer criar 1 microimposto digital para desonerar a folha de salários. Alguns empresários acham que vai ajudar a criar mais empregos. Outros dizem que o tributo é regressivo. Como o sr. avalia essa ideia?

Cada empresário fala pela cadeira em que está sentado. Se é uma empresa que é beneficiada, é a favor. Se é das que sofrem, é contra. Não é por aí que a gente vai tirar a decisão.

O que precisa ser dito em 1º lugar é que é 1 imposto totalmente idiota. Você não pode fazer distorção maior na economia do que colocar 1 imposto só porque houve uma movimentação financeira. É muito fácil de provar isso. Se fosse bom, o Japão já teria adotado. Por que é uma ideia existe há mais de 30 anos e só no Brasil a gente fala sério –entre as economias significativas? A gente não gosta de CPMF. Economista que gosta de CPMF precisa voltar para o banco escolar.

Segundo, existe 1 espaço para aumentar a arrecadação do governo com Justiça social, é inegável. Se você pegar 1 escritório de economia e de advocacia, a gente paga no lucro presumido e distribui dividendos sem que o controlador tenha que pagar imposto, é 1 absurdo. Você pega a taxa média de imposto de renda paga pela classe alta e deve ser uma das mais baixas do mundo. Tem esse mecanismo de aumentar a arrecadação como compensação pela perda da tributação sobre a mão de obra que não é usado.

Se você pergunta para 1 economista marciano ele vai dizer: aumenta imposto de renda, imposto sobre dividendos e tira a tributação sobre trabalho, mas não pensa em CPMF.

Só que quem tem que dar a solução não é 1 marciano, é o presidente ouvindo o Paulo. Ele vai chegar no Paulo e dizer: ‘Eu preciso manter alguma coisa parecida com imposto de renda negativo, Bolsa Família, seja lá o que queria chamar. Se vira’. Nessa hora, o Paulo vai dizer: é 1 pecado venial fazer a CPMF. Pecado mortal é deixar o povo passar fome ou ter uma política econômica que deixe o povo passar fome e discrimina o trabalho.

E aí pode ser que a solução seja a CPMF. A tese de que precisa diminuir a tributação sobre a folha é boa. A solução natural é imposto sobre renda. E a solução meia-sola, jeitinho brasileiro, burra é a CPMF. Esse é o dilema.

Qual legado que a pandemia vai deixar para as empresas?

Mudou um pouco a atratividade para alguns setores. O imobiliário vai ter uma desejabilidade maior de moradias pequenas –uma utilização menor dos escritórios. O home office, algo que já vinha acontecendo devagar, acelerou. Deve criar uma consciência nossa que não tem cabimento haver uma vulnerabilidade desse tamanho. Há 1 vídeo do pessoal da Microsoft prevendo que isso iria acontecer 5 anos atrás e nada foi feito. O mundo fica mais solidário em função da pandemia. Achar que essa é uma alteração dramática na operação normal da economia não vai ter não.

Publicado no portal Poder 360