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Artigo

Processo do Tecon-10 segue deixando legados

Frederico Bussinger

05/12/2025 06h06

Foto: Divulgação

“Imprevistos meteorológicos” levaram a (tão aguardada) “final de campeonato” ser interrompida: o Ministro Augusto Nardes pediu vista logo após a leitura da primeira parte do voto do relator, Antônio Anastasia, seguida do voto do revisor, Bruno Dantas, que abriu divergência em torno de questão fulcral. O 2º tempo da partida está previsto para o próximo 8/DEZ (incidentalmente “Dia da Justiça”!), quando devem votar os demais sete ministros.

Em síntese; após mútuas trocas de elogios e gentilezas preambulares:

  • O relator, com base em um bem articulado e fundamentado relatório, como lhe é de praxe (lido parcialmente), votou por um leilão em etapa única, sem restrições para participação de incumbentes (atuais operadores de terminais no Complexo Portuário santista). Entretanto, com obrigação de desinvestimento (alienação do ativo) como condição para assinatura do contrato de arrendamento, na hipótese do vencedor ser um dos atuais incumbentes.
  • Já o voto do revisor, também após um longo (20 pgs) e bem articulado relatório, com inúmeros dados e citações, seguiu o espírito do modelo em duas fases; este aprovado, por unanimidade, pela diretoria da ANTAQ. Ampliou-lhe, porém, o escopo: “Recomendar que ... façam inserir no edital e no contrato do arrendamento ... que vedem a participação de armadores, direta ou indiretamente, inclusive por meio de estruturas que camuflem controle ou influência relevante, de modo a substituir a vedação anteriormente direcionada aos incumbentes, na primeira fase do certame”. Seu posicionamento é por ele mesmo sintetizado: “Este é o meu ponto central: privilegiar a concorrência no mercado é mais importante do que a concorrência pelo mercado” (Item-55; grifos dele).

Como se vê, para além das preocupações e objetivos declarados em suas leituras, no essencial são dois entendimentos/visões bastante divergentes, quase antagônicos. Vale lembrar, contudo, que suas linhas mestras são suportados por pareceres de disputados juristas; como, p.ex, Carlos Ayres Britto e Carlos Ari Sundfeld, no que foi chamado de “guerra de pareceres”. Portanto, entende-se, nenhum dos dois votos é desprovido de sustentação jurídica.

Registre-se, também, que apesar de tão divergentes, foram defendidos no colegiado com elegância e respeito; bem ao contrário do que se tem visto crescentemente em alguns plenários: mais uma lição desse processo, a ser acrescentada ao elenco tratado em artigo anterior sobre o tema (“Legados já deixados pelo processo do Tecon-10”). Ou seja; sim, é possível! Este um saudável e belo exemplo para esse momento de um País polarizado!

E não para aí: também, na prática, essa plenária do TCU evidenciou e reafirmou a importância, a insubstituibilidade do (verdadeiro) debate. Aliás, algo análogo tanto às simulações de stress no mercado financeiro, como aos exames de esforços (esteiras), indicados pelos cardiologistas: ambos são prescritos porque determinados comportamentos não se manifestam em situações “normais”; apenas sob condições extremas!

O voto do relator não chega a ser uma surpresa; seja porque o modelo já fora aventado em vários eventos e fóruns, seja porque a própria ANTAQ o apresentara como alternativa; aliás algo que ele próprio fez questão de frisar, mais de uma vez. O mesmo não pode ser dito sobre o voto do revisor; tanto no tom como no mérito:

No mérito trouxe à baila a questão da verticalização (Item-23ss) que, se para a logística de graneis (sólidos e líquidos; minerais e vegetais) é algo consolidado e tratado com naturalidade, para o de contêineres segue sendo objeto de análises e discussões, sob diversos aspectos, mundo afora.

No processo do Tecon-10 já de há muito a verticalização estava ausente. Não que houvesse sido esquecida; mas que, como destacou o relator em sua réplica, lendo textualmente as respectivas manifestações, ela foi analisada e “afastada” pela SeinfraPortoFerrovia (área técnica do TCU), pelo CADE, pela SEAE e pela própria ANTAQ.

Assim, é discutível a afirmação do revisor de que “a ANTAQ acertou no diagnóstico mas, na hora da prescrição, exitou” (ou algo equivalente): se teria “afastado” a verticalização (segundo o relator), aspecto basilar para o voto do revisor e motivação de sua “recomendação”, como entender que “acertou no diagnóstico”? (Item-14ss).

A surpresa estava por vir

Em seu relatório Bruno Dantas apresenta uma série de dados e referências para embasar seu diagnóstico e argumentos. Alguns deles ‘’Dados fornecidos por um agente interessado em participar do leilão não foram assimilados por nós acriticamente. Tomamos a cautela de verificar bases oficiais...” (Item-32). P.ex: a) “... no período de apenas um ano, a participação de mercado dos grandes armadores europeus verticalizados (Maersk/MSC, CMA-CGM e Hapag-Lloyd) aumentou significativamente. Em contrapartida, e como consequência direta, os “demais armadores” – que incluem operadores globais relevantes como Cosco, ONE, Evergreen e Yang Ming – viram sua participação de mercado ser fortemente comprimida para números próximos de 10%” (Item-30ss); b) “Os dados reais acima consolidam a percepção de que, quando um armador controla o terminal... ele tem a capacidade e o incentivo para prejudicar seus concorrentes (outros armadores)...” (Item-49); c) “Entre os principais problemas relatados estão:... cobrança de sobrestadia de contêineres (demurrage e detention), mesmo quando o atraso não é culpa do usuário; crônica dificuldade em agendar a entrega de contêineres cheios nos terminais ...; obstáculos para a devolução de contêineres vazios ...; e constantes atrasos e omissões de escalas de navios...” (Item-40/41); entre outros.

E, mais ou menos como uma conclusão sobre esse aspecto, “Essas práticas anticoncorrenciais são de difícil detecção e comprovação, demonstrada pela dificuldade do Cade em processar inquéritos sobre essa temática. .....já justificariam a adoção de remédios concorrenciais com a seriedade que a situação exige” (Item-50).

Ou seja, parodiando a expressão popular, o Ministro Bruno Dantas colocou o bode na sala!

Independentemente do significado que terão para a decisão final do Tecon-10, há que se convir que tais afirmações, quase que em tom de denúncias, são de per si graves e com implicações que transcendem tal processo. Sendo feitas por um ministro, ex-presidente da Corte de Contas, então, não têm como serem ignoradas; mesmo porque, no fundo, estariam questionando os papeis e atuação de fiscalização, controle e regulação da ANTAQ, do CADE e do próprio TCU. Faz-se, pois, necessário serem examinados tais dados, interpretações deles decorrentes e respectivas implicações sobre o funcionamento do mercado logístico brasileiro: seja para confirmá-los, seja para corrigi-los, seja para refutá-los.

A essa altura mais uma lição: aparentemente essa análise (a fiscalização também) é complexa e dificultada pela inexistência de dados/indicadores adequados, regulares, confiáveis e públicos. Os que surgem são, em geral, produzidos pontualmente, por interesses próprios, e usados para defesa de teses específicas. Vale a reflexão: esse quadro não compromete a regulação ex-post (louvada e, SMJ, prioritariamente adota do Brasil); dado que a ANTAQ e o CADE, além de não disporem de muitos desses dados/indicadores, só (ou majoritariamente) começam atuar a partir de denúncias de condutas inadequadas?

Mas a principal surpresa do relatório do revisor, Bruno Dantas, não foi a defesa do modelo bifásico; mas sim as críticas ao modelo trazido ao plenário pelo relator: ele foi classificado como “ingênuo” e por ele justificado: “Essa proposta, com o devido respeito, é ingênua e fracassará no selvagem mundo real. É uma solução meramente de manual (“by the book”) que ignora os verdadeiros incentivos econômicos dos agentes envolvidos...”. (80) “A ingenuidade da proposta da unidade instrutora fica ainda mais evidente quando a contrastamos com a complexidade e o rigor dos procedimentos que o próprio Cade, a autoridade máxima no assunto, adota em casos semelhantes... (109) Na avaliação do leilão do Tecon 10, nada disso foi especificado.

A unidade instrutora tratou o desinvestimento como se bastasse “vender em 180 dias”, deixando todo o poder na mão de quem venceu o leilão e tem os piores incentivos para criar um rival efetivo. (114) A “solução” de confiar apenas no desinvestimento ex post do incumbente vencedor não funciona na vida real, e menos ainda em Santos, onde cada mês de atraso remunera os operadores verticalizados e concentrados horizontalmente. (116) Sem o mesmo arcabouço testado e validado pelo Cade, tudo isso vira promessa vazia e convite ao jogo de atraso e venda decorativa. E, no meio tempo, o porto segue 100% verticalizado, com mais fila e menos rotas. (117).

Vale registrar que, ao tratar do modelo e de sua “ingenuidade”, as menções e responsabilizações do revisor foram dirigidas à SeinfraPortoFerrovia (área técnica do TCU). Mas, a rigor, tal crítica não seria também aplicável ao CADE, SEAE e à própria ANTAQ; dado que todos teriam “afastado” a verticalização da análise de concentração?

Difícil ver luz no fim do túnel!

Os posicionamentos de relator e revisor parecem inconciliáveis: mais pelas fundamentações explicitadas que pelo modelo proposto, em si, SMJ. Há interesses comerciais, societários e estratégicos bem explicitados. Alguns entendem haver também disputas institucionais e corporativas. Parlamentares e governantes já haviam se manifestado; agora ouve-se falar da “entrada em cena” da Casa Civil, o que teria surpreendido o MPOR: eventualmente pode ser mais um elemento de tensão inter-institucional. Ademais o tempo é pra lá de exíguo: restam apenas 11 dias para o 2º tempo!

Entretanto, por outro lado, a necessidade de ampliação de capacidades para movimentações de contêineres nos portos brasileiros (Sudeste à frente) é uma necessidade quase que unanimemente reconhecida; e urgente. A expectativa, principalmente entre os embarcadores, por uma decisão é enorme (entre operadores logísticos, de uma maneira geral). Mas não uma decisão qualquer: além de técnica e legalmente adequada, ela precisa ser implementável com a urgência devida. Para o futuro próximo do Porto de Santos adianta pouco o TCU tomar uma decisão se, p.ex, na semana seguinte o processo vier a ser judicializado e seu desenlace se tornar imprevisível.

Claro que assiste direito a qualquer cidadão ou PJ levar ao Judiciário suas querelas; seus pleitos. Mas, como para a logística brasileira o importante é contar com o aumento da capacidade, com o novo terminal, seria mais que desejável evitar-se a judicialização; não? Nesse sentido, imagina-se que uma decisão do TCU, por unanimidade de seus ministros, poderia reduzir o risco da judicialização. Mais, ainda, se prontamente endossada pelos diversos órgãos que participaram do processo até o momento.

Mas como? As posições não são tão díspares? A notícia alvissareira é que os dois protagonistas dessa discussão, relator e revisor, são os ministros Antônio Anastasia e Bruno Dantas: Bruno entusiasta do consensualismo; autor de livro sobre o tema e criador da SecexConsenso (IN TCU nº 91/2022) visando “solução consensual de controvérsias relevantes e prevenção de conflitos na Administração Pública Federal”; e Anastasia, professor de direito, com multifacetada e respeitada experiência na administração pública, adepto do consequencialismo, “abordagem que valoriza as consequências práticas e futuras de uma decisão judicial ou administrativa, em vez de se ater apenas a normas formais”; abordagem que ganhou bases mais claras com a atualização da “Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro” – LINDB (2018), particularmente seu art. 20: “Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão”. Bingo!

Consensualismo e consequencialismo: será que não poderiam dar sua contribuição nesse momento crucial do processo decisório do Tecon-10? Se vêm sendo praticadas pelo TCU para “solução de controvérsias e prevenção de conflitos” para contratos firmados, vigentes, por que não para os instrumentos os geram (modelagem, edital, etc); uma vez constatada a explicita controvérsia e potenciais conflitos previsíveis neste caso?

Simples, fácil certamente não é. Mas se há dois ministros que podem construir um voto-condutor e levar o TCU à unanimidade são justamente Bruno Dantas e Antônio Anastasia; mesmo porque sob os votos finais que explicitam as divergências, os relatórios e, principalmente, as falas de ambos na plenária da semana passada, é possível identificar diversos pontos de contato que podem vir a ser o embrião dessa construção: uma alternativa de alie “vacinas” contra concentração (horizontal e vertical), com instrumentos/”remédios” ágeis e eficazes de fiscalização e compliance.

Aliás, o relator, em sua réplica, já procurou arrolar alguns desses pontos de contato, reduzindo o arco do que ele via como efetiva divergência; enquanto Bruno deu algumas pistas nas entrelinhas de sua fala. Portanto, impossível tampouco é!

Grande desafio e, se exitosa a operação, pode se tornar um exemplo de consensualismo e consequencialismo na prática. E, mesmo, um case e benchmarking para destravamento de gargalos da/na infraestrutura brasileira. Meritório o esforço para que a logística e o comércio exterior brasileiros, no próximo 8/DEZ, não fiquem a ver navios.

Frederico Bussinger – Engenheiro, economista e consultor. Foi diretor do Metro/SP, Departamento Hidroviário (SP), e da Codesp. Também foi presidente da SPTrans, CPTM, Docas de São Sebastião e da Confea.

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