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Artigo

Portos da Bahia e de Shandong: rota de integração

Edgard Porto e Ren Dong

06/08/2025 06h03

Porto de Salvador - Foto: Codeba - Divulgação

O que os portos da Bahia e os terminais portuários ultramodernos da província de Shandong, na China, têm em comum? Embora pareçam realidades distintas, essas duas localidades compartilham pontos em comum significativos e suficientes para justificar o desenvolvimento de uma futura cooperação logística, por dois motivos.

O primeiro é que ambas estão localizadas em entroncamentos estratégicos nas rotas comerciais de seus países. Shandong opera atualmente como um polo natural no eixo norte-sul e leste-oeste da China, enquanto a Bahia desponta como uma nova cabeça de ponte atlântica no projeto nacional “Cruz Logística”, que ligará a FNS (Ferrovia Norte-Sul) à Fiol-Fico (Ferrovia de Integração Oeste-Leste/Ferrovia de Integração Centro-Oeste).

O segundo, e não menos importante, está relacionado ao fato de ambas as regiões possuírem grandes áreas portuárias, capazes de acomodar parques industriais, zonas de processamento de exportação e clusters de serviços logísticos, conectando porto, indústria e cidade sob uma lógica integrada.

Um terceiro ponto de convergência na visão estratégica dessas duas localidades também pode ser observado, visto que ambas compartilham o objetivo de aumentar a eficiência operacional. Quando o Grupo Portuário da Província de Shandong foi estabelecido em 2019, era composto por quatro portos (Porto de Qingdao, Porto de Rizhao, Porto de Yantai e Porto da Baía de Bohai), que foram consolidados sob o princípio “uma província, um porto”, reduzindo a concorrência interna e aumentando a produtividade, e a movimentação de cargas ultrapassou 1,8 bilhão de toneladas em 2024, ocupando o primeiro lugar no mundo.

A Bahia, em um estágio inicial, poderia considerar uma estrutura de governança que permitisse planejar os portos da Baía de Todos os Santos e o futuro Porto Sul como um sistema único, evitando sobreposição de investimentos e otimizando a futura chegada de 127 milhões de toneladas projetada para todas as cargas até 2035, caso sejam implementadas ferrovias com as características sugeridas pelo Plano Ferroviário da Bahia.

Por fim, as sinergias ambientais não podem ser ignoradas: Shandong lidera iniciativas portuárias verdes – usando eletricidade, GNL e hidrogênio – enquanto a Bahia, com abundante produção de energia renovável (eólica e solar), pode replicar soluções de baixo carbono na expansão de seus terminais. Esses elementos destacam a importância de uma parceria sinérgica entre Bahia e Shandong, que pode gerar benefícios significativos para ambas as partes.

O estado baiano ocupa posição geográfica privilegiada na costa leste da América do Sul, equidistante da Europa, América do Norte e costa ocidental africana. Possui hinterlândia agrícola e mineral em rápida expansão – do Matopiba ao Centro Oeste do Brasil – cuja produção será escoada pela Fiol-Fico até o litoral baiano. A capital, Salvador, forma metrópole de 3,5 milhões de habitantes e abriga polos químicos, automotivos e de refino. Além disso, terrenos retroportuários abundantes e custos de escala relativamente baixos tornam a região propícia a investimentos industriais voltados a cadeias globais de valor. O desafio central da Bahia está centrado na infraestrutura: rodovias saturadas, malha ferroviária ainda em construção e modelo institucional fragmentado são fatores que elevam muito seus custos e as incertezas em seus negócios.

A província chinesa de Shandong, por sua vez, ostenta um litoral recortado no Mar Amarelo e uma população de aproximadamente 100 milhões de habitantes, com um PIB superior ao de muitos países de médio porte. Desde 2015, Shandong tem promovido de forma abrangente o desenvolvimento integrado de portos, importantes melhorias de infraestrutura, construção de plataformas digitais e expansão da função portuária. Entre os principais recursos dessa iniciativa estão o terminal de contêineres totalmente automatizado em Qingdao, o primeiro do mundo a operar em escala comercial, alcançando uma produtividade 30% maior do que terminais similares (automação), e a movimentação de contêineres de comércio exterior do Porto de Qingdao representa cerca de 70%; o uso de plataformas como Yungangtong e “Zhoudao.com”, com mais de 20.000 empresas registradas e 2,4 milhões de visitantes diários, utilizando 5G e navegação BeiDou para rastreamento em tempo real (digitalização); a adoção de programas de eletrificação de equipamentos, o uso de GNL e projetos piloto de “portos de hidrogênio” (sustentabilidade); cultivar um grande número de equipes de talentos excepcionais, como “Artesão do Povo” – Xu Zhenchao, “Modelo dos Tempos” – “Equipe de Inovação Lian Gang”; e a integração de Shandong com 700 portos em 180 países e regiões por meio da oferta de mais de 360 serviços regulares de contêineres, com expansão acelerada em mercados emergentes na América do Sul e na África graças à Iniciativa Cinturão e Rota.

Em termos comparativos, se Shandong exibe densidade logística e institucional avançada, a Bahia oferece espaço para replicar práticas de integração, automação e governança, mesmo considerando que o projeto da ferrovia transcontinental Bahia –Peru poderá desviar cargas da região para esse Porto no Pacífico. Mas a recente linha Salvador-portos chineses, operada por navios de 366 m, mesmo sem ferrovia de alta capacidade, sinaliza demanda reprimida e interesse de armadores globais pelos portos baianos.

Sendo assim, a experiência de Shandong sugere um roteiro pragmático para que os portos baianos se consolidem como hub atlântico-sul de classe mundial, embora de médio porte, e quatro lições importantes podem ser destacadas.

1) É necessária a criação de uma entidade estadual ou público-privada que planeje em bloco os portos da Bahia e seus terminais satélites que estimule a cooperação entre os entes e evite a competição desenfreada, reduzindo consequentemente a duplicidade de acessos terrestres e dando previsibilidade ao investidores (Integração institucional).

2) Promover a automação de pátios, digital twins e plataformas 5G desde a fase de expansão, reduzindo capex futuro e atraindo operadores com exigências ESG cada vez mais rígidas (Aposta em tecnologia).

3) Realizar a combinação de energias eólica/solar disponíveis na Bahia com soluções de eletrificação portuária e corredores de hidrogênio, o que replicaria o padrão low-carbon de Shandong, transformando os portos da Bahia em vitrine de sustentabilidade para as Américas (Estratégia verde).

4) Promover a construção de canais logísticos internacionais e redes de rotas, especialmente fortalecer os laços comerciais de transporte com os portos de Shandong.

Concretizada a Fiol-Fico e a interligação ao Norte-Sul, a Bahia passará a disputar cargas de grãos, minérios e manufaturados da região Centro-Oeste brasileira e de países vizinhos, reposicionando-se no tabuleiro logístico hemisférico. Em paralelo, o acesso à malha marítima chinesa ampliará a oferta de rotas diretas Salvador–Ásia, encurtando transit-times e reforçando a competitividade de exportadores do Nordeste.

Nesse sentido, a cooperação Bahia–Shandong extrapola a busca por captação de cargas de outras regiões do país. Envolve transferência de know-how em automação, formação de mão de obra, pesquisa em combustíveis verdes e criação de parques industriais complementares. Há, portanto, benefícios mútuos tangíveis: à Bahia, diversificação econômica e geração de empregos de alta qualificação; à Shandong, segurança de suprimento de grãos, minérios e energia limpa. Assim, fortalecer os laços entre esses dois portos-plataforma poderá inaugurar um novo capítulo na integração produtiva Brasil–China, combinando escala asiática e recursos latino-americanos sob a lógica win-win de cadeias globais de valor.

Edgard Porto - diretor de Estudos da Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (Brasil).

Ren Dong - pesquisador da Academia de Ciências Macroeconômica de Shandong (China).

Publicado pela Agência iNFRA

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