Utilizamos cookies de terceiros para fins analíticos e para lhe mostrar publicidade personalizada com base num perfil elaborado a partir dos seus hábitos de navegação. Pode obter mais informação e configurar suas preferências AQUI.

Artigo

PL-733: esboço de novo ciclo de reformas portuárias

Frederico Bussinger

08/08/2025 06h04

Foto: Divulgação

Tramita na Câmara dos Deputados - CD o PL nº 733/25; agora sob uma Comissão Especial (tramitava, anteriormente, na Comissão do Trabalho; ainda a  primeira de um conjunto de 5 comissões). Essa mudança de encaminhamento certamente abreviará seu caminho até chegar ao Plenário da Casa.

Ele foi elaborado por uma Comissão de Juristas” (por alguns referida como “comissão de notáveis”!). Esta foi criada quando as árvores do Natal de 2023 já piscavam; foi instalada em MAR/24 e, em OUT/24 aprovou seu relatório (416 páginas). Não sem “protestos dos trabalhadores... e anúncio de paralizações”, conforme release da CD.

Em sua Justificação formal o PL é apresentado como “oportunidade única para modernizar o setor”. Isso com a expectativa de torná-lo “mais competitivo, eficiente, justo e sustentável, além de oferecer maior segurança jurídica e oportunidades de inovação, atraindo novos investimentos e fomentando o crescimento econômico do Brasil”. Nela há, ainda, referências a “segurança e redução de riscos dos empreendimentos, aumento de confiança dos investidores e garantia de bem-estar dos trabalhadores e das comunidades locais”. Já nas peças de divulgação da CD essa visão é sintetizada por um triplo objetivo: reduzir a burocracia, estimular a livre iniciativa e aumentar a competitividade do setor portuário.

Ué! Mas objetivos muito similares não foram justamente os enunciados para proposição e argumentação da importância do então PL-8/91, que resultou na Lei dos Portos de 1993 (Lei nº 8.630/93)? E, 20 anos depois, para a Lei vigente? A propósito, vale revisitar a cerimônia (6/DEZ/12) de anúncio da MP-595/12 (embrião da Lei nº 12.815/13), cuja pauta divulgada, curiosamente, ao invés de ser uma mudança da lei/modelo, foi embasar o ambicioso “Programa de Investimentos em Logística - Portos: rememorá-lo pode trazer surpresas!

Flashback

Inequívoco que aumento de eficiência e competitividade são objetivos-fins permanentes nos/para os portos. De capacidade também. Mas não foi exatamente isso que se observou, praticamente em marcha batida, ao longo de 3 décadas de reformas portuárias no Brasil? Os números/dados estão aí:

  1. A movimentação portuária brasileira, agregada, cresceu 3,5 vezes (1.209/341 Mt/ano): uma média anual de 4,31% (algo como o dobro da do PIB); sendo 5,02% nos 20 primeiros anos (904/341 Mt/ano: 2012-1993), e 2,95% nos 10 últimos (1.209/904 Mt/ano: 2013-2022).
  2. A eficiência/produtividade aumentou exponencialmente, medida através de qualquer indicador que se utilizar (navio, berço, terno, equipamento): 5, 10 15 ou mais vezes.
  3. Os custos foram drasticamente reduzidos, seja no cais (de forma mais significativa – entre 50% e 2/3), seja para o dono da carga (em menor escala).

No tocante ao aumento de capacidade, a Justificação do PL, SMJ, acerta no diagnóstico (“o setor ainda enfrenta desafios significativos”) mas há controvérsias quanto à causa apontada: será mesmo a “burocracia” a responsável? Ao menos, a única responsável? As evidências dessa última década e meia deixam margem a dúvidas! A ver:

No final dos anos 2000, talvez constatando a ineficácia/insuficiência do Decreto nº 6.620/08, as autoridades estavam convencidas (preocupadas?) que o Brasil padecia de limitação de capacidade e falta de competição no setor portuário. Estratégia? “Choque de oferta”! O que o dificultava/impedia? Justamente a tal da “burocracia”; burocracia para realização de arrendamentos! Como (já) “” dependiam de autorização, TUPs eram vistos como a solução ideal; desde que, pudessem operar cargas de terceiros, como os arrendamentos. A par da consolidação de uma governança hiper-centralizada, que foi sendo implementada pouco a pouco, essa combinação de condições foi a grande aposta das reformas de 2012/13, balizadas pela Lei dos Portos vigente.

Ato contínuo houve um “boom” de autorizações (quase uma centena), cujos resultados ficaram bem aquém das esperanças geradas; segundo avaliações tanto do TCU como da ANTAQ. Aliás, a maioria das autorizações nem havia saído do papel anos depois; como como mostra o relatório "Análise concorrencial: terminais de uso privado vis-à-vis terminais arrendados", aprovado pelo Acórdão nº 499-2023-ANTAQ, em 20/SET/23.

Para ilustrá-lo, e p.ex, o relator diz no seu voto que “surpreende a representatividade dos investimentos previstos ... que ainda não iniciaram suas obras” (Item-37): 96% (isso mesmo: 96%!) dos R$ 47,05 bilhões! Também que 93% das cargas movimentadas pelos TUPs o foram por aqueles outorgados antes de 2013; ou seja, antes da Lei nº 12.815/13 (Item-23d). Em síntese, nem as novas condições de exploração, nem o processo de outorga menos “burocrático” foi suficiente para viabilizar o imaginado/prometido: tudo indica que deve haver "mais coisas no ar que aviões da Panair", na imagem, bem-humorada, de Guimarães Rosa!

Ah! Alguma semelhança com as “ferrovias de papel”; também autorizadas a partir de 2021?

O “princípio ativo” do “medicamento”!

A divulgação do PL pela CD também enfatiza mudanças no licenciamento ambiental, livre negociação de tarifas (mais propriamente, preços!), prazos contratuais (até 70 anos), contratos de transição, “janela única aquaviária”, autorregulação, “ampliação” de atribuições da ANTAQ e dos CAPs; entre outros.

No entanto o relator da Comissão Especial, Dep. Arthur Maia, com larga experiência em comissões e PLs complexos, é mais pragmático: “Todo projeto tem uma palavra-chave: ‘exclusividade’ é a deste PL”.

Em termos práticos, o fim da exclusividade no que concerne às chamadas “categorias profissionais diferenciadas” (art. 40, 4º: capatazia, estiva, conferência de carga, conserto de carga, bloco e vigilância de embarcações), centro dos debates e das disputas capital-trabalho (expressão usual no setor), se operacionaliza por comandos legais que:

a) acabam com a exclusividade do OGMO;

b) liberam operadores privados para contratar trabalhadores certificados;

c) permitem que trabalhadores atuem em qualquer porto do País.

Nenhuma surpresa com a pauta: seja pelo perfil dos membros da “comissão de juristas”, seja pelo histórico dos dois últimos ciclos de reformas portuárias brasileiras. Na verdade, essa questão remanesceu meio como uma pendência das reformas portuárias de 1993 e 2013. Assim, mais cedo ou mais tarde, inexoravelmente, ela voltaria à baila; como efetivamente aconteceu!

Sua “urgência e relevância” (para usar os justificadores das Medidas Provisórias) foram aguçadas pelas heteronomias regulatórias entre terminais arrendados e TUPs, consagradas pelo modelo balizado pela Lei nº 12.815/13 (reformas de 2012/13) - inclusive objeto de análise em uma auditoria operacional do TCU. Dessas heteronomias, “exclusividade” e OGMO são apenas algumas delas.

Para além de uma linha sobre um mapa, mais que um referencial geográfico, as Poligonais (fronteira do que está dentro e fora do Porto Organizado) é estabelecer os limites entre dois universos; dois regimes bem distintos:

  1. quem é outorgado via arrendamento (subconcessão) e quem o é por autorização;
  2. quem precisa se submeter a licitação/leilão e quem não;
  3. quem tem e quem não tem prazo contratual (para exploração); iv) com e sem bens reversíveis; v) os que devem pagar as “tarifas universais” das Tabelas Tarifárias e os que nem sempre. Tais diferenças resultaram em algumas disputas; inclusive uma há não muito tempo, em Santos, que envolveu a ANTAQ e chegou ao TRF-3.

Originalmente os “terminais de uso privativo/privado”, e as autorizações, foram concebidos como instrumento para outorga de terminais portuários integrantes de cadeias logísticas, por sua vez, integrantes de cadeias produtivas (como minério, petróleo, etc). Sua adoção para terminais de atuam no “mercado”, principalmente para os contíguos a Portos Organizados, compartilhando da mesma infraestrutura aquaviária, acabou por gerar tensões, não apenas entre capital-trabalho, mas também entre operadores outorgados por meio de um ou outro regime. Associado à liberdade e ao contorcionismo com que Poligonais foram sendo alteradas, então, essas tensões passaram a ser, em muito, potencializadas.

Uma analogia para essa questão é a linha de impedimento do futebol: a situação de um jogador não depende, “apenas”, de seu georreferenciamento (no campo) mas, também, da posição dos jogadores adversários. Ou seja, é algo relativo!

O que está/estará em discussão

Além do fim da “exclusividade”, sindicatos e federações de trabalhadores portuários identificam outros aspectos do PL como ameaças; p.ex:

  1. redução na definição de operação portuária e de trabalho portuário;
  2. extinção do OGMO e do atual sistema do TPA;
  3. desregulamentação e extinção de categorias e seus respectivos sindicatos (vigias, consertadores e bloco);
  4. extinção da atividade da guarda portuária;
  5. fragilização dos sindicatos;
  6. e restrições às negociações coletivas.

Uma digressão: como subsídio para elaboração dos planos de implementação do modelo portuário balizado pela Lei de 1993, a então CODESP, com apoio do Banco Mundial, promoveu uma conferência com lideranças/dirigentes locais, convidados de outros portos e vários consultores internacionais: a MODPORT (16-17/MAI/1996).

Um desses consultores, na exposição, compartilhou sua larga experiência e visão: “Reformas portuárias são questão tempo, dinheiro e nível de tensão social aceitável”. E exemplificou com experiência de países que despenderam longo tempo e/ou enfrentaram grandes tensões sociais em reformas, por terem optado por fazer parcos dispêndios; como outros que as promoveram rapidamente e/ou com baixo nível de tensão social, neste caso adotando planos bem estruturados e incorrido em desembolsos significativos.

Se influenciados por essa visão ou não, e apesar das inevitáveis escaramuças, que fazem parte da estratégia de cada ator do processo, aparentemente há, hoje, um clima diferente daqueles dominantes nos dois ciclos de reformas portuárias anteriores: por um lado trabalhadores estão topando analisar temas anteriormente tidos como intocáveis; por outro, empresários estão topando despender recursos para consecução dos objetivos almejados com a deflagração do atual processo e iniciativas/ações para criar a “Comissão de Juristas”; lá em 2023.

E o mais importante: ambos toparam sentar-se à mesa e procurar construir uma proposta, comum, a ser apresentada ao relator. Esta, baseada em um tripé:

  1. indenização para redução dos quadros (OGMO);
  2. garantia de remuneração básica – GRB (para quem ficar);
  3. tempo de transição (de um modelo para o outro).

No tocante ao “Programa de Incentivo de Cancelamento da Inscrição de Trabalhador Portuário” (parte da proposta em discussão), ao que se sabe, já há consenso em relação a diversos pontos:

  1. valores (totais);
  2. limite mínimo dos valores;
  3. quem é elegível para receber;
  4. fontes de recursos.

Segue em negociação:

  1. limite máximo dos valores;
  2. FDEPM como fonte;
  3. criação de “Fundo de Indenização” (com participação multilateral); iv) Inclusão de trabalhadores vinculados.

Em paralelo, as entidades dos trabalhadores sistematizaram, ainda, algo como meia centena de emendas sobre aspectos os mais variados. P.ex:

  1. vedação de trabalho intermitente e temporário;
  2. certificação profissional pelo OGMO;
  3. exclusão do artigo (28) que trata da dispensabilidade do TPA;
  4. manutenção de vigilantes e consertadores;
  5. utilização do OGMO pelos TUPs;
  6. exclusão da EPTP (empreiteira concorrente do OGMO);
  7. ajuste na multifuncionalidade;
  8. valorização da qualificação do trabalhador portuário.

Também questões mais gerais, como:

  1. previsão de serviço adequado (na verdade, reintrodução do conceito/comando);
  2. restabelecimento do Estado como regulador da atividade econômica;
  3. inclusão dos TUPs no âmbito do “incentivo à concorrência”;
  4. questões relacionadas a eficiência energética e mudanças climáticas etc.

Cenários

Desde que a família real chegou ao Brasil (1808), e “abriu os portos às nações amigas”, o Brasil passou por uns 8 ciclos de reformas portuárias (2 sob a CF/88). Normalmente para enfrentar problemas concretos da época. Nesse sentido, a pergunta que se torna imprescindível é: quais os problemas dos portos brasileiros em meados da segunda década do Século XXI (desejavelmente também a hierarquia deles)? E outra dela decorrente: o PL-733 endereça solução para eles? Todos eles? Soluções eficazes?

Como não se localiza no (longo) relatório da Comissão um diagnóstico abrangente e minucioso do quadro atual, tampouco uma contextualização histórica da evolução do setor e seu processo, não se pode ter respostas cabais àquelas perguntas.

No entanto, é possível dizer-se que o PL sistematiza um conjunto de ajustes e instrumentos específicos sobre o trabalho/mão-de-obra, certamente norteados:

  1. pela necessidade de adequá-los aos avanços tecnológicos (muitos deles já presentes nos portos brasileiros);
  2. novas formas de organização do trabalho e prestação de serviços (muitos legados pela Pandemia da Covid); iii) perfil das novas gerações; e iv) necessário encaminhamento de aposentadoria estruturada e substituição de trabalhadores idosos.

Também é possível imaginar que, associados à pauta de negociação em curso, entre empresários e trabalhadores, tais ajustes e instrumentos devem ser o fio condutor e promover uma forte inflexão nesse aspecto da dinâmica portuária brasileira.

Mas, se a intenção é ter-se um “Novo marco regulatório”, abrangente, e se o objetivo é aumento da eficiência e da competitividade “para fomentar o crescimento econômico do Brasil”, o PL poderia/deveria ter tratado de duas questões fulcrais; questões que, no máximo, foram tangenciadas no bojo de outros temas:

  1. articulações inter-modais/logísticas (também inter-funcionais e inter-institucionais);
  2. e governança dos Complexos Portuários.

Ao contrário do Porto Organizado (Poligonal), a governança destes é difusa e incipiente. Possivelmente por ter sido um conceito/instrumento introduzido no ambiente portuário no passado recente, e ainda não ter logrado ocupar lugar de destaque na (congestionada) pauta setorial.

Além delas, se o objetivo é reverter-se o processo de hiper-centralização, consolidado com o modelo das reformas de 2012/13; se o objetivo é transitar-se para um modelo mais na linha do “Landlord Port” (modelo adotado pela esmagadora maioria dos portos relevantes do mundo, cuja principal característica é autonomia), não basta apenas enunciar-se “fortalecimento” e “ampliação de competências” dos CAPs (e, mesmo, das administrações-autoridades portuárias), se seguirem centralizadas no Ministério, na Antaq e ou no Conselho do PPI (com possibilidade de atuação também do TCU) as principais decisões estratégicas que afetam os portos brasileiros, como:

  1. aprovação do Plano Mestre e PDZ de cada porto;
  2. qualificação de projetos para desestatização;
  3. aprovação de EVTEAs; iv) elaboração/aprovação de editais; v) celebração de contratos (outorgas);
  4. decisão de prorrogações (incluindo as antecipadas);
  5. aprovação de transferência de controle acionário;
  6. revisão e reajuste de tarifas;
  7. aplicação de penalidades por infrações.

Em síntese, atualmente as principais decisões estratégicas do ambiente portuário estão centralizadas: planejar (incluindo investimentos e modelagem), escolher parceiros (empresas e projetos), tarifar e punir, justamente os 4 eixos que são a essência da função de autoridade portuária no modelo “Land Lord”. Tudo se passa como se no Brasil houvesse um arranjo desempenhando a função de uma “Autoridade Portuária Nacional”!O termômetro da descentralização/autonomia não é a quantidade de atribuições ou o volume de trabalho de uma instância: é o poder de tomar decisões; principalmente decisões estratégicas! OK. Que não se chegue aos paradigmas “landlordistas” internacionais. Mas por que não se adotar, ao menos, um modelo de “instâncias” para a regulação portuária, na linha do judiciário e, mesmo, das 3 instâncias do período inicial do modelo balizado pela Lei de 1993 (Autoridade Portuária, CAP, Ministério: ainda não havia agência)? Não seria uma forma de se reduzir a demanda/processos e carga de trabalho dos órgãos de Brasília e, como consequência, minimizar-se a “carência de pessoal” e agilizar-se a tramitação de processos? A governança geral do setor também poderia ser bem aperfeiçoada no PL!

A Comissão Especial foi instalada neste 6/AGO. Como diz o relator, “o que precisa ser feito, deve ser feito agora: caso contrário, só daqui a 10 ou 20 anos”. Ainda bem que, com a nova tramitação, há novo prazo para que sejam apresentadas emendas: 5 sessões plenárias da Casa, a partir de 4/AGO (prazo em curso).

Ou seja, é possível subsidiar-se os muitos debates, que certamente ainda estão por vir, e o (preparado e bem articulado) relator na elaboração do seu substitutivo: que efetivamente tenhamos um “Novo Marco Regulatório”; abrangente, eficaz, e adequado às necessidades e aos desafios do País nessa quadra da história.

Frederico Bussinger – Engenheiro, economista e consultor. Foi diretor do Metro/SP, Departamento Hidroviário (SP), e da Codesp. Também foi presidente da SPTrans, CPTM, Docas de São Sebastião e da Confea.

O conteúdo dos artigos é de responsabilidade dos seus autores. Não representa exatamente a opinião do MODAIS EM FOCO.