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Artigo

O grito pelas florestas

Rodrigo V Cunha

11/11/2024 06h03

Foto: Divulgação

Durante a maior parte de sua história, a Noruega alternou entre independência e controle por parte da Dinamarca e Suécia. Ora de um ora de outro, o primo pobre escandinavo se virava como dava entre os reis e rainhas vikings. Até que a história mudou, em 1969, quando os noruegueses descobriram o petróleo.

É bem conhecido na geopolítica mundial o chamado “Oil curse”. O que poderia ser algo transformador para o desenvolvimento de um país, vira uma maldição nas mãos erradas. Escândalos de corrupção não faltam em países pelo mundo, incluindo o Brasil: quem se lembra da farra de Sérgio Cabral e seu bando no boom do pré-sal?  Mas, em mãos certas, a história pode ser muito diferente: a Noruega explorou petróleo gerando e compartilhando riqueza como talvez ninguém. Em 1990, o país criou o fundo soberano, para garantir que os lucros da exploração do petróleo beneficiassem as futuras gerações. Cerca de 5,7 milhões de noruegueses se beneficiam com os dividendos do fundo de 1,4 trilhão de dólares (até 3% do valor do fundo pode ser utilizado para gastos públicos todo ano). 

Com a riqueza, veio também um reforço de consciência. Os noruegueses historicamente valorizam a conexão com a natureza — e uma caminhada em Oslo deixa isso claro na quantidade de plantas emoldurando as janelas das casas de revista de design nórdicas ou nos museus em prédios modernos tomados por trepadeiras emoldurando a paisagem.

Existe até uma expressão que valoriza o viver ao ar-livre: friluftsliv. Edward Munch, o mais famoso artista norueguês, autor do genial “O Grito”, pintou a natureza ao longo da sua carreira, a maior parte das vezes no cenário de fundo dos quadros retratando seres humanos melancólicos, ansiosos, sozinhos, separados, doentes e de vez em quando aninhados. O que falta de luz na sua expressão da humanidade, sobra nos quadros em que a natureza é protagonista - mesmo que seja para humanos tomarem banhos de sol desnudos na floresta ou na praia. A obra de Munch reflete o protagonismo da natureza na Noruega. 

Não por acaso, na semana passada, aconteceu pela terceira vez em Oslo o seminário  “A Possible Amazon”. A convite da Câmara de Comércio Noruega-Brasil, organizadora do encontro, participei entrevistando a líder indígena Priscila Tapajowara, fundadora da Mídia Indígena, com o chapéu de licenciado do TEDxAmazônia (que acontece de 29 de novembro a 01 de dezembro, em Manaus). O evento norueguês se propõe a discutir a relação e atuação do país na Floresta Amazônica. Que relação improvável é esta? O ethos de Munch explica.

Em 2008, o Brasil criou o Fundo Amazônia para captar recursos para combater o desmatamento e criar oportunidades e conservar a floresta. Logo ano seguinte, a Noruega fez a primeira doação e até o momento já direcionou 1,2 bilhão de dólares, cerca de 90% do total do fundo. Além disso, Alemanha, Estados Unidos, Japão e Suíça também doaram, além da Petrobras (contribuição simbólica). A doação faz parte do protagonismo nórdico na ampla discussão sobre compensação financeira dos países ricos pelas emissões de gases de efeito estufa. Existe um consenso internacional de que os impactos das mudanças climáticas serão mais intensos nos países com menor índices de desenvolvimento, como o Brasil. Foi o grito norueguês pela Amazônia.

Uma semana de reuniões e encontros com empresas privadas, representantes do governo norueguês, diplomatas e ONGs, deixou claro que o país está levando a sério a transição climática. A partir do ano que vem, será proibido vender carros movidos a combustíveis fósseis na Noruega. Hoje, 98% dos carros vendidos são elétricos. Nas ruas de Oslo, as calçadas das ruas menores dos bairros estão repletas de carregadores elétricos. Grandes empresas de energia que operam no Brasil estão trabalhando para limpar a matriz energética. Uma delas é a BW Offshore, uma gigante das plataformas de óleo e gás, construtora da primeira plataforma de pré-sal (a famosa foto do presidente Lula com as mãos cheias de petróleo foi lá). O foco de inovação da empresa agora é a construção de plataformas de produção de “gás limpo”, capturando até 95% da emissão de CO2 na extração do gás (o que se faz com o gás uma vez extraído é outra história). 

A Scatec, uma das principais empresas de energia renovável do mundo, especialmente solar, atuante em 22 países, ganhou no ano passado uma concorrência gigante de energia na África do Sul. A solução híbrida de energia solar (540MW - suficiente para abastecer 450 mil residências) e baterias (225MW de armazenamento) teve preços  competitivos com outras fontes de energia. A Scatec está de olho para atuar na COP30. E a Hydro, que refina em Barcarena 50% do alumínio que produz no mundo, em breve vai completar a transição de óleo combustível para gás natural na planta paraense. Junto com outros projetos de eletrificação em caldeiras, a empresa está investindo 1,3 bilhão de reais para reduzir 35% nas emissões. A energia renovável de outras plantas da Hydro é fornecida pela própria Scatec. Tudo isso a caminho da COP 30, uma grande vitrine para mostrar avanços na transição climática. Os noruegueses já perceberam isso. 

Ainda mais agora, em que o relógio está correndo mais rápido do que nunca e quando os cientistas estão “apavorados”, na expressão usada pelo brasileiro Carlos Nobre com os avanços da emergência climática.

A maior seca da Amazônia, as enchentes no Rio Grande do Sul, a quantidade recorde de furacões e até a maior rajada de vento em São Paulo, na semana passada, estão deixando todos de cabelo em pé. É preciso agir muito rápido. No Brasil, somos responsáveis por 60% da floresta amazônica e por uma parte equivalente do total do desmatamento. A Amazônia é um ativo para o clima global. Estudos preveem que algo entre 20 a 25% de devastação da floresta levaria para um ponto de não-retorno, significando a savanização do bioma. A má notícia é que estamos perto deste número, que traria consequências devastadoras e aumentaria ainda mais rapidamente a temperatura global. 

A solução é um tanto óbvia: parar de desmatar e investir recursos na conservação da floresta. Segundo estudo de ClimateWorks, apenas 2% de um total de 810 bilhões de dólares alocados em filantropia vão para soluções climáticas. Ainda assim, o total do  Fundo Amazônia é um valor significativo. Créditos de carbono também começam a  virar realidade para proteção da floresta. Segundo o Banco Mundial, mais de 100 bilhões de dólares em receita foram gerados em 2023 e mais da metade do valor foi usado para financiar programas focados em clima e soluções baseadas na natureza. Recentemente, o governador Helder Barbalho anunciou na Climate Week, em Nova York, a venda de 180 milhões de dólares em créditos de carbono para a LEAF, uma coalizão internacional de grandes empresas e governos. 

Mas só dinheiro não é suficiente, é preciso gestão também. O Fundo Amazônia investiu pouco menos da metade dos 4,1 bilhões que já foram arrecadados desde 2008 (é importante lembrar que os repasses ficaram parados durante o governo Bolsonaro e foram retomados em 2023). O programa do governo do Pará recebeu forte crítica de líderes indígenas, que não teriam sido consultados, apesar de serem beneficiários, pois boa parte dos créditos será gerado em seus territórios. 

Assim como os noruegueses, que souberam explorar petróleo e administrar bem o valor gerado, precisamos gerenciar melhor os recursos disponíveis para a transição climática e acelerar o desembolso dos recursos para proteger a floresta. Talvez já não possamos evitar que o gelo derreta ou que o corais embranqueçam, mas podemos adiar e até diminuir a velocidade que a temperatura global aumenta evitando as derrubadas de florestas ou mesmo plantando árvores e regenerando ecossistemas.

Não há tempo a perder. O quadro de Munch não poderia ser metáfora mais apropriada: o grito pelas florestas precisa ser ouvido.

Rodrigo V Cunha - CEO da Profile, organizador do TEDxAmazônia e autor do livro Humanos de Negócios

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