10/01/2025 06h05
Em nosso país, os políticos, enquanto categoria, são sempre permissivos. Uma das principais vítimas são as pequenas comunidades locais. No âmbito das Assembleias Legislativas, a prática de criar municípios, emancipando pequenas localidades, constituiu no passado prática recorrente. Era comum emanciparem-se até postos de gasolina de beira de estrada, desde que garantissem um punhado de votos na eleição subsequente.
Legislação específica, pós Constituição de 1988, limitou a farra, tornando mais restritas as possibilidades de criar municípios insustentáveis. O esgotamento da migração rural-urbana e a estagnação do crescimento demográfico descortinam um novo cenário. É chegada a hora de corrigir as distorções acumuladas do passado.
Na Constituinte de 88, apresentei proposta que transferiu das Assembleias Legislativas para as Câmaras de Vereadores a criação de distritos. Com isto, no âmbito dos próprios municípios pode ser reconhecida a evolução econômica ou populacional de algum povoado, fortalecendo a autonomia municipal. Luís Eduardo Magalhães, no Oeste baiano, seguiu esta linha. Primeiro tornou-se distrito de Barreiras, depois foi emancipado. Hoje, é o 17º mais populoso município do Estado. Uma cidade do agro.
Há casos inversos. Ao fazer o plano de Porto Seguro-Cabrália, na década de 1970, deparei-me com a realidade de Eunápolis, no eixo da BR-101, um aglomerado urbano maior que as duas sedes municipais. Dizia-se então que era “o maior povoado do mundo!” A solução indicada foi a emancipação. Hoje é o 15º maior município baiano.
Agora isto ocorre apenas quando surge uma nova frente econômica, como é caso da expansão do agronegócio, de que são exemplos nacionais o Centro-Oeste e o Matopiba.
Segundo o Índice Firjan de Gestão Fiscal, 55,5% dos 5.240 municípios analisados vivem em situação crítica em relação à autonomia fiscal. A marca é a forte dependência do FPM, a insuficiência de recursos para pagar a folha de pessoal.
Muitas vezes, e não raro, o FPM é insuficiente para pagar os subsídios dos Vereadores...
Reconhecendo os dados da realidade, o Congresso Nacional avançou, mas no sentido errado. Agora, municípios com menos de 146.000 habitantes passaram a ter contribuição reduzida para a Previdência Social. Dois erros em um só: privilegia a formação de quadros não efetivos e amplia o buraco nas contas da Previdência.
Com a linha de corte estabelecida em 146.000 habitantes, sobraram apenas 168 municípios que recolhem a contribuição plena. Ou seja, independente do critério adotado, os parlamentares reconhecem que apenas estes têm capacidade fiscal para arcar com os custos previdenciários do seu pessoal temporário – os ocupantes de cargos comissionados e os admitidos sob regime de contratação administrativa.
Significa também dizer que estes 168 são os municípios com cidade. Como se vê, o Brasil é um país de poucas cidades, mas tem 5.570 municípios! Na Bahia, por exemplo, em 128 dos 417 municípios, a população rural ainda é maior que a urbana, alcançando em alguns casos impressionantes 70%!
Torna-se necessário realinhar municipalismo e urbanização. Como sempre, no Brasil, será difícil extinguir municípios, reaglutinando-os com base em estudos econômicos e demográficos, o que o IBGE ou o IPEA saberiam fazer com maestria. Mas esta é uma alternativa sem viabilidade política.
Em outros países, há unidades administrativas distintas do município para fazer a gestão local. Este é um debate do qual o Brasil não poderá escapar.
Waldeck Ornélas - especialista em planejamento urbano-regional. Autor de Cidades e Municípios: gestão e planejamento.
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