29/10/2024 23h00
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A Inteligência Artificial (IA) pode resolver e criar problemas, como reproduzir preconceitos e desigualdades. É o que afirma Moojan Asghari, iraniana residente em Paris que fundou a Women in AI, organização sem fins lucrativos dedicada a ampliar a presença feminina em empresas, vagas e discussões relacionadas à Inteligência Artificial. Fundada em 2016, a iniciativa conta com mais de 15 mil membros em 150 países.
A empreendedora disse que a baixa representatividade feminina na IA pode comprometer o futuro, pois equipes pouco diversas tendem a impor preconceitos específicos nas tecnologias que desenvolvem. Para enfrentar esse desafio, ela defende a educação como veículo de mudança, principalmente a educação e capacitação voltada para tecnologia para mulheres. Confira a entrevista:
Quais são os principais impactos da Inteligência Artificial (IA) na sociedade hoje?
A IA tem o duplo potencial de resolver e criar problemas. Ao mesmo tempo em que ela contribui para o desenvolvimento dos negócios e da economia, ao otimizar diversos processos, ela também pode impactar negativamente se não for usada de forma responsável, replicando diversos tipos de preconceitos, oriundos de quem cria e age de forma seletiva, deixando de alcançar muitas pessoas.
Você acredita que a IA reflete ou pode amplificar a exclusão social?
É uma conta bem simples. A IA funciona a partir dos dados e algoritmos, e a maioria dos dados que temos e alimentamos nossos programas de IA vêm da Internet. E de onde vêm os dados da Internet? De nós. Se você olhar para a internet, ela é cheia de preconceitos e estereótipos, então os dados que estamos usando para os programas de IA são tendenciosos. A boa notícia é que há certas coisas que você pode fazer para limpar os dados e torná-los inclusivos. Por exemplo, mesmo que você tenha um banco de dados tendencioso, mas fizer o algoritmo de uma forma que ele não considere esses preconceitos, ele ainda pode funcionar, mas é preciso olhar para isso. O que acontece hoje é que não temos diversidade suficiente para sequer pensar em fazer esses testes.
As pessoas que estão criando esses algoritmos são, em sua maioria, homens e, em sua maioria, desconhecem questões de gênero e de inclusão, porque não são treinados para isso. Aumentar o número de mulheres em tecnologia e IA é essencial para mudar o jogo.
Como a iniciativa Women in AI atua para mudar esse cenário de desigualdade de gênero na tecnologia?
A Women in AI é uma organização sem fins lucrativos fundada em 2016 em Paris, na França, que trabalha em prol de uma IA inclusiva que beneficia toda a sociedade. Somos uma iniciativa voltada para a comunidade, trazendo empoderamento, conhecimento e colaboração ativa por meio de educação, pesquisa, eventos e blogs. Na Women in AI, capacitamos mulheres e minorias para se tornarem especialistas em IA e dados e líderes, incentivando o uso responsável da tecnologia. Temos parcerias com diversos governos e institutos de pesquisa. Hoje, temos uma comunidade com cerca de 15 mil membros em 150 países.
E como a organização surgiu?
A organização surgiu depois que ajudei um amigo a organizar um evento sobre IA e percebi que de 100 pessoas apenas quatro eram mulheres. Foi um choque. Isso não foi isolado. Houve mais eventos com uma lacuna enorme de mulheres. Então, conversei com colegas da área e decidimos criar um grupo no Facebook e promover um primeiro evento de IA para atrair mais mulheres. O projeto cresceu gradualmente com encontros em Paris, Londres e Berlim, e hoje se dissemina tanto virtualmente como presencialmente em diversas partes do mundo.
A IA é um dos pilares do setor de tecnologia, que historicamente tem sido dominado por homens. Quais estratégias podem ser adotadas para aumentar a diversidade entre os profissionais?
Isso é um problema de todos os setores. O Fórum Econômico Mundial estima que levará 200 anos para alcançarmos a igualdade de gênero no trabalho, mas não podemos ficar tanto tempo esperando, precisamos aumentar isso e impulsionar esse movimento.
Quando falamos de indústrias como a de tecnologia, engenharia e matemática, o cenário é muito ruim. Em média, temos 25% de mulheres nessas áreas globalmente. Para a IA é ainda menor, em torno de 20%. Há medidas que podem melhorar esses números.
A mais importante delas é a educação e capacitação de jovens mulheres para pensar sobre isso como uma carreira, além de incentivo de governos e da própria educação familiar, pois as meninas são excluídas dessas atividades desde a infância.
Como as empresas de tecnologia têm se posicionado em relação às pautas de diversidade e inclusão?
Isso varia muito de acordo com cada país e região. Como moro na Europa há 12 anos, posso dizer que é uma região onde definitivamente há essa abertura e aumento do interesse pela diversidade. As empresas começaram a investir no tema e os governos estão incentivando iniciativas assim por meio de algumas leis. Porém, as políticas para aumentar a inclusão devem ser implementadas não apenas pela obrigatoriedade, as companhias precisam entender que isso é realmente bom para o negócio e mudar todo o ecossistema, tanto para promover vagas quanto para receber essas mulheres. Isso também é sobre se a empresa está acolhendo esse público, porque muitas companhias de tecnologia frequentemente enfrentam casos de assédio sexual e mental em relação as minorias.
Então, se queremos aumentar a diversidade, precisamos mudar a cultura de toda a empresa.
No Brasil, há mulheres na presidência da Microsoft, SAP e Intel. Como você avalia o papel do Brasil no cenário global em termos de liderança feminina no setor?
Globalmente ainda estamos muito longe da diversidade na tecnologia, mas casos positivos e entusiasmantes como o Brasil, que não vejo muito isso em outros locais. Ter profissionais mulheres à frente de companhias tão relevantes no mercado como a Microsoft, Intel e SAP é um avanço e pode servir de exemplo para outras empresas e países, como forma de incentivo, mostrando que as coisas realmente estão mudando.
Quais são os benefícios de ter mais mulheres em cargos de liderança, especialmente em áreas como a IA?
Pesquisas mostram que mulheres em posições de liderança criam mais lucros para as empresas, porque elas administram as empresas com uma visão muito mais aberta.
Quando falamos de IA, os erros tendem a ser reduzidos, porque as mulheres não possuem um olhar apenas técnico, elas colocam em prática pautas como a parte social e ética, tão importantes quanto a técnica.
É preciso ter alguém na liderança, no topo da pirâmide, para tomar decisões em prol da diversidade e consequentemente do avanço de tecnologias emergentes como a IA. Isso também envolve conscientização dos líderes homens.
Qual é a importância da diversidade e da inclusão para o futuro da IA?
Não vejo outra maneira para o futuro da IA que não seja pelo caminho da diversidade e inclusão. Não existe futuro da IA se metade da população não estiver sendo atendida, valorizada ou considerada. Que tipo de futuro é esse? Então, para mim, um futuro da IA é aquele em que estamos indo em direção a mais personalização e respondendo às necessidades individuais de cada um, criando um lugar inclusivo, ético e sustentável. Isso só vai ser possível com muita diversidade de gênero, pensamentos, origens, países, raça, religião, etc. Pessoas negras e indígenas, por exemplo, também são grupos sub-representados na IA. Portanto, precisamos reunir equipes diversificadas de construtores e líderes visionários para garantir que essa tecnologia evolua.
Há outros pilares essenciais para garantir um futuro mais ético e inclusivo na IA? Quais?
É necessário alinhar três coisas: as pessoas, o planeta e o propósito. Hoje, focamos principalmente no propósito, ou seja, nos negócios e na economia. Porém esquecemos das outras partes, que são as pessoas e o planeta. No caso das pessoas, elas precisam ser diversas. Já o planeta é, na verdade, o principal recurso que temos para criar todas as nossas tecnologias. Portanto, precisamos respeitá-lo, porque sem isso, já perdemos antes mesmo de criar algo artificialmente, como a IA por exemplo. Todos esses fatores são fundamentais para o bom desenvolvimento da IA nos próximos anos.
Publicado Isto É Dinheiro