27/08/2025 06h07
Foto: SPA - Divulgação
A modelagem para arrendamento do Tecon-10 no Porto de Santos (até pouco tempo rotulado de STS-10) está sob análise do TCU. Formalmente, pelo rito que foi sendo estabelecido nos últimos tempos, seria praticamente a última etapa decisória do processo antes do leilão previsto para ocorrer em dezembro próximo. Entretanto, debates (alguns acalorados) seguem ocorrendo, inclusive discutindo-se questões basilares, como o critério de participação no certame.
Independentemente do modelo que finalmente constará do Edital, da data de realização do leilão ou do futuro arrendatário, já há inúmeros legados deixados pelo processo que se arrasta há 12 anos: seja em termos de lições aprendidas, de informações disseminadas, de novas formulações que surgiram (candidatas a assentamentos jurisprudenciais) ou, mesmo, de novas pautas (latentes e/ou antes não cogitadas tão abertamente). Ou seja, uma grande contribuição para os debates e processos futuros (e, talvez, até ainda para este em curso).
Não previstos, fora do script inicialmente divulgado, os recentes eventos, promovidos pela ANUT (26/JUN/25), pelo próprio TCU (29/JUL/25) e pela Câmara dos Deputados (13/AGO/25), além da ação judicial da Maersk e respectiva resposta da ANTAQ à determinação do juiz, fornecem subsídios para alargar os horizontes da comunidade portuária (e de quem vem acompanhando o processo):
“Posição dominante” já não é mais conceito privativo dos círculos de iniciados. De igual forma, que o busílis não é a “posição dominante”, em si, mas o “abuso” dela. Que há critérios objetivos para medi-lo; indicadores que demarcam alertas e graus de cuidados em tais análises, como um semáforo a indicar verde, amarelo e vermelho: o “Índice de concentração de mercado”; pilar do modelo de participação definido pela ANTAQ para o leilão do Tecon-10.
Sabe-se, ademais, que a quantificação desse índice leva em consideração não apenas o terminal a ser outorgado; mas ele no conjunto de seus pares, em um dado “mercado relevante” que, no caso, pode ser um Porto Organizado ou um Complexo Portuário.
Que, a título de exemplo, o Porto de Santos atende “apenas” 61,67% de sua hinterlândia. Por conseguinte, há fatores não-santistas, até não-portuários que explicam os outros 38,33%; certo? Claro; são os conhecidos fatores do universo logístico. Por que, então, toda a discussão sobre competição/concorrência do/no Tecon-10 se afunilou para o certame (leilão)? Por que a concorrência intraportuária, interportuária e, em especial, a concorrência logística passaram a plano secundário?
Aliás, juristas e “especialistas” que têm discutido o tema, o têm feito sobre aspectos concorrenciais do certame... especificamente. De igual forma o evento da SDE/CD. Neste caso, inclusive, com um posicionamento claro do deputado que presidiu a sessão: (enfaticamente) contrário ao modelo ANTAQ.
Ninguém defende, ao menos publicamente, o monopólio. Nem mesmo a hiperconcentração do mercado portuário. A divergência, no caso, fica por conta do modelo regulatório (se algum!) a ser utilizado para enfrentá-lo; para combatê-lo:
- A ANTAQ, subsidiada pelo Parecer SEI nº 6.237/2022/SEAE/ME, em defesa do modelo de participação escolhido, “que privilegia a entrada de um novo player”, explica que “... é mais importante garantir a competição e a concorrência nos 25 anos de execução do contrato, do que apenas olhar no curtíssimo prazo...”.
- Já os críticos do modelo-ANTAQ, por um lado minimizam o papel da regulação vis-à-vis do aumento de capacidade; considerado instrumento suficiente para garantia concorrencial (e seus efeitos). Por outro, citando decisão do CADE, argumentam que “o Brasil conta com instituições/instrumentos maduros/robustos para combater tais abusos, caso ocorram”.
Ou seja, o setor passou, assim, a ter uma visão mais nítida da distinção e implicações das estratégias ex-ante (preventiva) e ex-post (corretiva): aquela adotada pela ANTAQ, no caso, e esta fundamento dos seus críticos. Aquela focada em “estruturas e regras” e esta nas “condutas”. Sobre o tema, vale também assistir o “Diálogo Público: Análise Concorrencial no Setor Portuário”, promovido pelo TCU, em 26/MAI/22; particularmente na parte que trata de “vacinas” concorrenciais!
Interesses explicitados
Os debates, pós decisão da ANTAQ, também permitiram que emergissem, com mais clareza, os interesses envolvidos nesse certame; muitas vezes apresentados/defendidos sob bandeira de “interesse público”. Aliás, algo analogo tanto às simulações de stress no mercado financeiro, como aos exames de esforços (esteiras), indicados pelos cardiologistas: ambos são prescritos porque determinados comportamentos não se manifestam em situações “normais”; apenas sob condições extremas (no caso do Tecon-10, ameaças, reais, de não participação).
Sobre “interesse público”, especificamente, também foram trazidos à baila argumentos incomuns que poderão/deverão ser desenvolvidos doravante: normalmente este conceito está associado a bens públicos; a patrimônio público. Num País/Nação com patrimonialismo no DNA, como o Brasil, ver-se “interesse público” no mercado de trabalho, no PIB e no comércio exterior é algo novo; reflexão que vale ser aprofundada. O que diria Adam Smith sobre essa visão?
Também quanto à forma as discussões têm sido entre reveladoras e didáticas: vai se tornando clássico o padrão de, antes de se fazer a crítica (por vezes, ferina!) à ANTAQ, ressalva-se a “competência”, tanto da agência como de seus dirigentes e quadro funcional. Tanto mais elogios quanto maior for a crítica, inclusive seu tom! Seria esse comportamento/estratégia uma expressão do “homem cordial” de que trata Sérgio Buarque de Holanda?
Tem chamado atenção, também, a perspectiva com que os diversos atores vêm o TCU: ao menos verbalmente, e com certa reverência, todos o tratam como se fosse o Oráculo de Delfos - de onde sairá a palavra final, sábia e definitiva para o Tecon-10. Inclusive os órgãos do governo.
Isso ocorre porque, possivelmente, ao longo desses 134 anos, o TCU vem alargando seu rol de atribuições e atividades para hoje abranger fiscalizações e decisões sobre atos de gestão, contratos, licitações, regulação, programas (de governo) e políticas públicas. Nos primórdios só atuava a posteriori; hoje também a priori. SMJ, os papeis cogitados para o órgão por Ruy Barbosa, então Ministro da Fazenda, seu criador, eram bem mais restritos. Nem estavam no art. 89 da 1ª Constituição Republicana (1891): “liquidar as contas da receita e despesa e verificar a sua legalidade, antes de serem prestadas ao Congresso”. Mas, enfim, na prática, como lhe delegaram essa função, o TCU, imagina-se, não se fara de rogado (como não está fazendo): certamente o exercerá.
Cenários?
Mas não se imagine que o Tribunal tem todos os graus de liberdade para tanto, vez que a decisão da ANTAQ foi tomada por unanimidade de sua diretoria: o que ocorreria, assim, se o TCU a rejeitasse in totum? Não estaria desautorizando a agência em seu papel de regulador? Seja por entendimento, seja para minimizar atritos institucionais, talvez o TCU adote um caminho intermediário: a possibilidade de participação de todos, já na primeira fase (sem as tais restrições), condicionado a que o vencedor, caso já operador, seja obrigado a vender sua participação atual. Esta alternativa já foi cogitada por lideranças do setor, pelo MPOR e pelo GESP; agora também, explicitamente “aceita” pelo painelista da TIL (MSC) ao final do evento da SDE/CD. A ver!
Como se vê, informações: muitas informações! Lições? Também. A principal delas, sem dúvida, é a importância de debates: sem esses últimos eventos talvez tivéssemos ficado na fotografia (quiçá preto & branco) do Tecon-10. Ainda não se chegou a uma tomografia computadorizada; mas que bom que já se tem um Raio-X e uma ultrassonografia parcial feita!
Mas, para que a tenhamos, é preciso que os eventos não se limitem a narrativas, discursos promocionais ou audiências públicas formais. É preciso debate que permita o confronto de ideias, visões e argumentos. Nesse caso, a decisão da ANTAQ, contrariando interesses que se tornaram explícitos, certamente o facilitou. Mas, sim, é possível combinar pautas, abordagens, composição de painéis e mediadores para que tais (salutares) debates aconteçam... em benefício dos portos; da logística brasileira.
Frederico Bussinger – Engenheiro, economista e consultor. Foi diretor do Metro/SP, Departamento Hidroviário (SP), e da Codesp. Também foi presidente da SPTrans, CPTM, Docas de São Sebastião e da Confea.
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