11/07/2020 14h06
Foto: Getty Images
O desmatamento na Amazônia em junho quebrou mais um recorde na série histórica do mês e chegou a 1.034,4 km² devastados, segundo números do sistema Deter do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). O índice é 10,6% maior do que o registrado no mesmo período, em 2019. A área é um pouco menor do que a cidade do Rio de Janeiro, que tem 1.255 km².
Segundo o Deter, que compila alertas diários de desmatamento por meio de imagens de satélite, a derrubada da floresta também cresceu 25% de janeiro a junho em relação ao mesmo intervalo no ano passado, quando houve forte consternação internacional pela mitigação do desmatamento ilegal no bioma.
Ao todo, uma área de 3.069,57 km² foi desmatada nos últimos seis meses.
A temporada de queimadas na Amazônia, que se intensificou mais cedo do que o usual em 2020, é a outra face da degradação do bioma amazônico. Foram 2.248 focos de incêndio registrados por satélites de 1º a 30 de junho, um aumento de 19,5% em relação ao mesmo período, em 2019, segundo o Inpe. No ano passado, foram 1.880 focos.
Maior estrago já foi feito, diz WWF
Na avaliação da ONG World Wide Fund for Nature Brasil (WWF-Brasil), os números do sistema Deter para o primeiro semestre de 2020 são os piores da última década. A organização lembra que é o segundo ano consecutivo de aumento do desmatamento desde a posse de Bolsonaro, “eleito com um discurso que acenava para madeireiros, grileiros e garimpeiros, principais agentes do desmatamento na Amazônia”.
O diretor de Conservação e Restauração do WWF-Brasil, Edegar Rosa, manifestou por meio de nota a preocupação com o aumento de queimadas, que são intensificadas no período pós-desmate com o objetivo de “limpar” as áreas de floresta derrubada, neste ano.
“Mesmo que não se queime nenhum metro quadrado na atual temporada de fogo que vai até setembro — como espera o vice-presidente da República Hamilton Mourão ao propor novamente a moratória das queimadas na Amazônia Legal este ano —, o maior estrago já foi feito”, disse Rosa no comunicado. “O fato é que uma imensa parcela da floresta amazônica já está no chão”, lamentou.
Para o Greenpeace, a despeito da criação do Conselho Nacional da Amazônia neste ano como resposta à pressão internacional contra o desmatamento e as queimadas, os números do Inpe apontam a “ineficácia” do governo no controle da degradação amazônica.
Na avaliação da ONG, a desmobilização dá “prosseguimento à sua política antiambiental que fragilizou órgãos de fiscalização, como Ibama e ICMBio, enquanto prevê uma grande quantidade de recursos para operações militares ineficazes, sob comando do vice-presidente Hamilton Mourão”.
Para Cristiane Mazzetti, da campanha de Amazônia do Greenpeace, os índices desmontam a narrativa da administração Bolsonaro de que havia uma mudança de cenário concreta em relação à preservação da Amazônia.
“Mitigar e reverter os danos causados por esta política antiambiental à floresta e à imagem do país exigirá muito mais: precisamos de resultados concretos, e para isso será necessário um plano robusto para conter tamanha destruição”, afirmou Cristiane por meio de um comunicado.
“A começar por ações de comando e controle em caráter permanente e executadas por órgãos competentes e bem aparelhados. Este é um caminho — já conhecido — que este governo insiste em ignorar”, completa.
Falta de coordenação na política ambiental
Declarações de integrantes do governo Bolsonaro nas últimas 24 horas reforçaram a tese de que não há uma coordenação programática para frear o desmatamento ilegal. Em um evento do think tank Personalidade em Foco, na última quinta-feira, o ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, defendeu a extinção do conceito da Amazônia Legal, conforme informou o jornal Estado de S. Paulo. Na avaliação de Azevedo, trata-se de uma concepção “ultrapassada” por abranger áreas ocupadas.
A tese foi rechaçada durante a discussão do Código Florestal, aprovado pelo Congresso Nacional em 2012. O ministro da Defesa sustenta que é possível voar “horas” sobre a floresta sem encontrar sinais de degradação, embora o desmatamento em áreas protegidas e públicas não destinadas tenha crescido substancialmente.
A Amazônia Legal abrange mais de 5 milhões de km² de terras espalhadas pelas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. O conceito foi criado nos anos 50 com o objetivo de desenvolver economicamente a região e, por isso, contempla áreas ocupadas e matas de transição. Ambientalistas, no entanto, sempre se mostraram refratários à revisão de seus critérios.
Outra fala que chamou atenção de especialistas e defensores da área ambiental foi a do ministro das Comunicações, Fábio Faria, que manifestou desconhecimento em relação à região. Em entrevista ao canal CNN Brasil na última quinta-feira, Faria sugeriu que a floresta é composta “87% por mata atlântica e 13% de queimadas”, embora o bioma amazônico seja bastante distinto da mata atlântica.
— Se você chegar em Manaus e pousar, ou se quiser pedir um avião para ver mata atlântica, (você) fica três horas sem parar vendo mata atlântica atrás de mata atlântica. Mas se quiser fazer o que muitos jornalistas do exterior e artistas fazem, (dizer) “quero ver queimadas”, também tem regiões que mostram (o fogo). Temos 87% de mata atlântica e 13% de queimadas — disse o ministro das Comunicações.
Fábio Faria repercutiu, ainda, uma fala da ministra da Agricultura, Tereza Cristina, que garantiu aos investidores estrangeiros a independência do agronegócio brasileiro em relação às terras da Amazônia. No entanto, muitas áreas desmatadas são queimadas e degradadas para a formação de pastos.
No início de junho, um relatório do Greenpeace concluiu que os frigoríficos JBS, Marfrig e Minerva compraram desde 2018 milhares de cabeças de gado ligados ao desmatamento da Floresta Amazônica desde 2018. O documento apontou, ainda, um processo chamado de “lavagem de gado”, que envolve o transporte de bois criados em áreas desmatadas para fazendas com o objetivo de ocultar suas origens.
Fonte: O Globo