22/04/2025 07h40
Foto: Divulgação
O número de pedidos de demissões voluntárias no Brasil chegou ao maior percentual mensal já registrado em janeiro deste ano, ficando em 37,9% dos 2,13 milhões de desligamentos registrados. De acordo com os dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), os pedidos de desligamento de profissionais com ensino superior representam 45% deste total.
Os dados deste ano confirmam uma tendência no mercado de trabalho brasileiro. Em 2024, o país alcançou também a marca recorde de pedidos de demissão voluntária, com quase 8,5 milhões de trabalhadores optando por deixar seus empregos.
Os números de janeiro destacam, ainda, que 42% dos pedidos de demissão partiram de jovens de 17 a 24 anos; outros 40% foram de mulheres trabalhadoras do setor do comércio, onde predomina a escala 6x1. Esse foi o caso de Ana Cláudia Gonçalves, 45, moradora de Luziânia, no Entorno Sul do Distrito Federal, que trabalhava em uma loja de departamentos no shopping. A rotina desgastante e a escala de trabalho exaustiva a levaram a se desligar da empresa após oito meses. "Pedi demissão porque estava exausta, não aguentava mais", desabafou.
"Em dezembro foi o mês inteiro fazendo duas horas extras por dia. Na escala 6x1, trabalhando todos os fins de semana, não tinha mais tempo para minha família. Meus filhos sentiram minha falta, gastava toda a minha energia no trabalho e ganhava pouco", contou Ana Cláudia. Depois de pedir demissão, ela passou a investir seu tempo na costura.
De acordo com Andre Purri, CEO da Alymente, startup de RH, o movimento de demissão voluntária se deve pela busca de melhores salários, maior flexibilidade e melhor qualidade de vida. "Em um cenário de desemprego em baixa, o aumento dos pedidos de demissão voluntária reforça a necessidade de as organizações revisarem suas estratégias de retenção e atração de talentos, alinhando-se às novas dinâmicas do mercado de trabalho", afirmou.
Purri destacou que o empreendedorismo tem sido outro fator que colabora para o alto nível de demissões voluntárias. "A facilidade para abrir empresas e o crescimento do trabalho remoto também têm incentivado profissionais a empreender ou buscar ocupações que ofereçam mais autonomia", explicou.
O economista Newton Marques, professor da Universidade de Brasília (UnB), afirmou, ainda, que a expansão dos empreendedores tem influência nas demissões. "Há um forte crescimento dos microempreendedores individuais (MEIs) que veem maior oportunidade de ser seu próprio patrão, como também buscar outros desafios com treinamentos para aperfeiçoar suas qualificações na tentativa de melhorar seu futuro profissional", destacou.
Ele avaliou também o cenário econômico no país. "O impacto do aumento das demissões voluntárias tem a ver com problemas conjunturais e estruturais na economia brasileira. Refletem uma mudança no comportamento dos trabalhadores, principalmente dos mais jovens, que buscam oportunidades que estejam de acordo com suas necessidades e objetivos de carreira", disse.
Primeiro passo
Para o assistente de comunicação Wellington Melo, 29, do Rio de Janeiro, a vontade de atuar na área de formação gritou mais alto. "Estava em busca de uma oportunidade na área pela qual me formei, pois queria sair do comércio, onde atuava há 10 anos", explicou. Melo decidiu pela rescisão e conversou com a empresa, mas a negociação não saiu do jeito que esperava.
"Estava em um cargo de liderança e não tinha mais para onde subir, a não ser que o gerente se aposentasse. Quando decidi sair, pedi que fosse demitido, porém, devido a problemas de custos, segundo a empresa na época, eles não poderiam me mandar embora. Então, abri mão de muitas coisas que tinha a receber", relatou.
Mesmo sem os benefícios de uma demissão sem justa causa, qualidade de tempo e de vida levaram Wellington a procurar uma vaga que lhe proporcionasse isso, mesmo ganhando menos. "No comércio, eu trabalhava todos os dias, um dos principais motivos que me fizeram sair. Reduzi meu salário pela metade, mas preferi ter um tempo melhor e poder fazer minhas coisas pessoais com calma", contou.
Atualmente, ele está em uma agência de comunicação, onde se sente valorizado. "Encontrei o que procurava. Os CEOs são super flexíveis, trabalho em um local bom, no qual consigo gerir o tempo entre o trabalho e minha vida particular", comemorou.
Patrão x empregado
Rosa Bernhoeft, especialista em gestão de pessoas e CEO da Alba Consultoria, listou alguns dos motivos mais comuns para o pedido de demissão voluntária. "Incluem insatisfação salarial, falta de reconhecimento profissional, ausência de perspectivas de crescimento na carreira, problemas de relacionamento com lideranças, clima organizacional tóxico e desequilíbrio entre vida pessoal e profissional", pontuou.
Para que as empresas evitem a perda de colaboradores, Bernhoeft considera que os empregadores podem adotar algumas ações. "É fundamental realizar pesquisas de clima organizacional periodicamente e implementar mudanças com base nos resultados obtidos. Como programas de desenvolvimento profissional estruturados, feedback contínuo, reconhecimento por mérito, política salarial competitiva, benefícios flexíveis e personalizados e ações de qualidade de vida e bem-estar", enumerou.
Já para aqueles que desejam mesmo mudar de trabalho, a especialista indica que primeiro é preciso dialogar antes de tomar a decisão. "O ideal é que o funcionário reflita sobre suas reais motivações para a saída, avalie se suas insatisfações são pontuais ou estruturais, e tente dialogar com seus superiores antes de tomar uma decisão definitiva. Documente os pontos de insatisfação, proponha soluções práticas, estabeleça prazos para verificar melhorias e, se possível, negocie mudanças como realocação interna, ajustes de função ou modalidade de trabalho", aconselhou.
Nem sempre a demissão voluntária acaba sendo a melhor solução tomada, conforme avaliou o advogado trabalhista e sócio do escritório Bier Mello Advogados, Airton Rafael Bier. Ele pontuou quais os motivos mais comuns nas causas trabalhistas em seu escritório. "Pagamento de horas extras que não foram registradas, diferenças de comissões ou bônus, e indenização por assédio moral", listou.
"Também é frequente ver ações por conta de acidentes ou doenças causadas pelo trabalho, falta de pagamento na demissão e situações em que o trabalhador tenta comprovar que tinha um vínculo de emprego, mesmo sem carteira assinada", destacou o advogado, que recomendou a procura de um especialista caso o trabalhador precise reivindicar seus direitos.
Foto: Correio Braziliense