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Artigo

Da FIPS à ferrovia portuária necessária: desafios à frente

Frederico Bussinger

01/03/2021 07h02

Foto: Divulgação

“Comunidade portuária pede inclusão da Ferradura na malha do Porto”, manchete destacada de A Tribuna capta bem o eixo e a principal conclusão da Audiência Pública de 10/FEV passado.

Dito de outra forma: o projeto e o modelo de governança da FIPS já são amplamente aceitos e, salvo um detalhe aqui outro ali, caminham para serem consolidados. O problema passa a ser o que poderia ser denominada FEPS – Ferrovia Externa do Porto de Santos (malhas ferroviárias entre o sopé da Serra do Mar e a FIPS): é o que foi possível depreender da maioria das intervenções.

A par dessa questão medular, foi interessante observar (como de certo modo o fora também na recente Audiência Pública da desestatização dos portos capixabas): i) o reconhecimento, ainda que implícito, da importância do poder público (na regulação e, mesmo, com sua “golden share”); ii) idem em relação à função de autoridade-administradora (há muito reduzida a um ativo); iii) audiência pública, convocada para obter “contribuições” (em geral técnicas e formais), como espaço de mobilização e apoiamento político-administrativo.  

A MRS procura tranquilizar a comunidade portuária: na sua intervenção, como também já fizera em recente webinar (24m15s), reconhece os desafios; mas garante que os investimentos necessários serão feitos a tempo e a hora. Para isso resgata fatos e dados da sua atuação no Porto até hoje. 

Mas os usuários não parecem assim tão seguros; mesmo porque não estão claros os compromissos (e garantias) do caderno de encargos da renovação antecipada: crescem vozes pró fusão da FEPS com a FIPS; tema até aqui geralmente tratado com circunlóquios (Cerca-Lourenço). P.ex: “... que os preceitos que estão sendo colocados na FIPS, de rateio de custos, de investimentos, de melhoria de eficiência estejam também presentes no restante das linhas férreas do Porto” (1h20m55s).

Sem rodeios: a malha da MRS na Baixada, por essa ideia, seria incorporada ao escopo da FIPS; passando a ser gerida por um único “arranjo associativo” empresarial. Ainda outros desdobramentos: i) na renovação antecipada da MRS, SMJ, sua malha da Baixada precisaria ser excluída da “base de ativos” da “Malha Sudeste” (designação do contrato original, de 1996); ii) essa malha deixaria de estar regida por um contrato de concessão, passando a sê-lo pela “modelagem copoperativa” proposta para a FIPS; iii) assim, SMJ, deixaria de estar regulada pela ANTT. Ela concorda?

Mas... “no meio do caminho tinha (tem) uma pedra”; como diria Drummond! Possivelmente mais de uma!

Respeito a contratos e segurança jurídica foram termos muito utilizados e defendidos na Audiência. A MRS, aparentemente, trata a renovação antecipada como direito; bem assim, um direito líquido e certo. O contrato, porém, prevê, sim, a renovação: mas “a exclusivo critério da concedente” (Clausula-3ª; caput); que “verificada sua conveniência e oportunidade... definirá as condições técnico-administrativas e econômico-financeiras necessárias à prorrogação do contrato”.

Dúvida: a exclusão da malha da Baixada do escopo do contrato renovado da MRS violaria a segurança jurídica? Até agora não se tratou disso publicamente.

Mas o maior obstáculo certamente será o econômico-financeiro: a MRS informa que sua capacidade de atendimento crescerá de 63 (2021) para 109 Mt (2056). Ou seja, um potencial da ordem de 3.075 Mt ao longo de 35 anos. O Ato Justificatório da FIPS informa (4.27) que o valor cobrado pela MRS pelo direito de passagem é de R$ 240,15/mil TKU (valor recentemente reajustado em 30,93% pelas Resoluções nº 32 e 33 da ANTT: seriam R$ 314,43/mil TKU atualmente). Por que e como a MRS abriria mão dessa (monopolista) receita?

Três principais cenários cogitáveis doravante: i) a conclusão da outorga da FIPS; seguindo a renovação antecipada da MRS seu curso natural: aparentemente o mais desimpedido e rápido processo; mas com resultados globais imprevisíveis e, muito provavelmente, sub-ótimos; ii) contratos independentes da FIPS e da FEPS, mas com compromissos rigidamente vinculados (MRS, Rumo e VLI): certamente mais demorado mas, também, com riscos menores de descasamento de investimentos e desempenhos; iii) fusão da FIPS com FEPS, com participação de todas as concessionárias e vinculação rígida com seus planos: difícil dizer se mais ou menos demorado que o anterior; todavia imagina-se com desempenho global superior, e menores riscos de insucesso.

Há, pois, desafios e tarefas à frente. E a areia da ampulheta segue caindo.

Frederico Bussinger – Engenheiro, economista e consultor. Foi diretor do Metro/SP, Departamento Hidroviário (SP), e da Codesp. Também foi presidente da SPTrans, CPTM, Docas de São Sebastião e da Confea.

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