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Entrevista

Anthony Fauci: É impossível que consigamos erradicar a covid-19

Médico destaca que liberação das máscaras deve respeitar autoavaliação sobre ‘risco individual’

27/04/2022 07h18

Foto: Divulgação

Muitas são as dúvidas em relação ao futuro da covid-1, doença que já vitimou 6,2 milhões pessoas globalmente. Vislumbra-se um futuro mais ameno em relação às infecções neste ano, mas não há garantias. Também espera-se que doses de reforço sejam anuais, mas novos estudos ainda devem avançar nesse sentido. A liberação do uso de máscaras também depende do quanto cada um está disposto a correr o risco de se infectar. É nessa miríade de possibilidades que trabalha o imunologista Anthony Fauci, responsável pela resposta americana contra a covid-19 e recentemente palestrante em um simpósio na Fiocruz. Em entrevista exclusiva ao GLOBO, Fauci falou sobre futuros mais certos, da impossibilidade de erradicar o vírus à necessidade de rezar a cartilha da paciência com os antivacina: “Não podemos renegá-los”.

O uso de máscaras deixou de ser uma obrigação em todo o Brasil, com exceção de transporte público. É o tempo de realmente deixar de lado esse item de proteção?

As autoridades locais têm que considerar quais são as condições (da epidemia) no Brasil, quais os níveis de infecção, de vacinação, qual a porcentagem da população já se infectou e, de alguma forma, tem graus de imunidade contra a infecção. É muito difícil declarar amplamente se é boa ideia ou não tirar as máscaras. Nos Estados Unidos, nós dissemos às pessoas que elas têm que avaliar qual é seu “risco individual”. Por exemplo, se você é vacinado e tem a dose de reforço, mas é uma pessoa mais velha, com alguma comorbidade, você está em uma posição de grande risco de ter um desfecho grave. Então, faz sentido manter a máscara para ter um grau a mais de proteção. Mas isso não é o mesmo para todos. Para os jovens, saudáveis, em uma posição em que acham ser muito difícil usar a máscara, talvez haja a disposição de passar esse risco extra ao não usá-la. Não é somente uma política ampla, cada um determina qual o seu nível de risco.

O senhor já disse que não acredita na eliminação ou erradicação da covid-19, mas como será o futuro próximo da pandemia, ou o fim deste ano?

É imprevisível, mas acredito que é extremamente improvável, impossível, que consigamos erradicar o vírus. Aliás, só fomos capazes de erradicar um único vírus na história da humanidade, que foi a varíola. Também será muito difícil eliminar o vírus de países como os Estados Unidos ou o Brasil, pelo simples motivo de que o coronavírus muda muito. Vírus como o sarampo, polio e a varíola não sofrem (muitas) mutações, mantêm-se estáveis por muitos e muitos anos. A covid-19, por sua vez, teve cinco variantes (importantes) em dois anos e meio, e a duração da imunidade não é vitalícia, o que nos coloca na situação de uma vacinação periódica, como é com a influenza. Esperamos que em 2022 e em 2023 entremos num estágio de controle do vírus num nível baixo o suficiente que não seja necessário perturbar a sociedade e suspender a economia, as escolas, os eventos o entretenimento… Queremos chegar em um nível em que o vírus não desapareça totalmente, até porque não acredito que isso seja possível, mas que seja algo que não domine mais a sociedade, como o Sars-CoV-2 fez nos dois últimos anos e meio.

Podemos, então, ser um pouco otimistas e dizer que o pior já passou?

Sim, é possível que o pior tenha passado. Acho que não podemos definitivamente dizer que esse é o caso, já fomos enganados antes, pensamos que o pior tinha passado com a variante original e então apareceu a Delta. Então achávamos que tínhamos passado pelo pior com a Delta e veio a Ômicron. Acredito que há uma grande chance de que o pior já passou, mas não há garantias porque há sempre o risco do aparecimento de uma nova variante.

E sobre a quarta dose, segundo reforço. O quanto sabemos da necessidade de vacinar todos os adultos mais uma vez?

Isso vai depender da dinâmica do vírus em cada país, depende muito da situação epidemiológica de cada lugar. Se a disseminação do vírus estiver muito alta, é bem provável que você precise vacinar todos os elegíveis (com essa dose), mas se a transmissão estiver muito, muito, baixa, talvez não seja preciso dar essas doses a todo mundo. Depende totalmente do nível de vírus na sociedade.

É melhor vacinar com o vírus em alta disseminação ou baixa disseminação?

É imprevisível, mas se você esperar até o vírus estar com disseminação muito alta, pode ser tarde demais, porque demora um pouco até que a proteção da vacina ocorra. O melhor é modelar (matematicamente) e ver quando será possível que essa aceleração ocorra, você não vai querer esperar até que ele esteja fora de controle. Se você começa a ver que ele está a acelerar, essa provavelmente é a hora correta de vacinar as pessoas.

Temos, porém, a certeza de que o reforço será necessário? Ou há a possibilidade que o futuro da pandemia nos mostre que as vacinas utilizadas até aqui foram suficientes?

Ainda não sabemos, mas te digo uma coisa com certeza: com a variante Ômicron, todos precisam de, ao menos, uma dose de reforço. Contudo, ainda não sabemos qual a periodicidade desse reforço no futuro, possivelmente teremos que dar anualmente, como a influenza.

Aqui no Brasil os grupos antivacina tornaram-se um problema emergente. Como podemos lidar com eles?

Não há uma solução fácil. É preciso articular o mais claramente possível como funciona a ciência e oferecer dados, mostrá-los. Os dados são muito, muito, claros quando comparamos os níveis de hospitalização e mortes dos não vacinados com pessoas vacinadas e com reforço. A maioria (de casos graves e mortes) é ostensivamente de não vacinados. A diferença entre vacinados e não vacinados é, fortemente, obviamente, em favor do benefício de salvar você mesmo de sérias complicações e morte. Os dados falam por si só. Às vezes, quando mostramos essas informações, as pessoas não acreditam, ou recusam a aceitá-las, não há muito o que fazer quanto a isso. Mas é preciso ser paciente e que sigamos tentando explicar. Não os rejeite, não os culpe porque isso só os aliena do que você está tentando dizer.

No Brasil e nos Estados Unidos a vacinação contra a covid-19 está liberada para crianças com 5 anos ou mais. Será necessário vacinar os meninos e meninas ainda mais jovens?

Acredito que sim. Estamos conduzindo estudos nos EUA que avaliam a segurança e eficácia de vacinar crianças a partir dos 6 meses de idade. Já temos a aprovação para os maiores de 5 anos de idade ou mais velhos. Então, sim, acreditamos que é importante seguir vacinando as crianças.

Publicado no O Globo