12/06/2020 15h15
Foto: Carl de Souza - AFP
Os alertas de desmatamento na Amazônia registraram recorde em maio de 2020. Foram 829 km², o maior total para o mês nos cinco anos da série histórica deste indicador. O número é 12% acima do registrado em maio de 2019. Os dados são do sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real (Deter), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), atualizados nesta sexta-feira (12).
Considerando o acumulado de alertas do Deter ao longo dos meses, a tendência é de aumento na taxa oficial de destruição da floresta na atual temporada que se encerra em agosto de 2020. A tendência preocupa, já que o período anterior teve recorde com 10 mil km² de desmatamento.
Os dados referentes a maio divulgados nesta sexta integram a base do Deter, um sistema do governo federal criado para orientar ações de fiscalização do Ibama. O Deter não aponta o consolidado do desmate, mas sim áreas sob alerta conforme análise de imagens de satélite. Os dados são atualizados em períodos curtos de dias, oferecendo um retrato mais próximo do que ocorre na floresta em tempo real.
Já a taxa oficial anual de desmatamento na Amazônia é calculada considerando todo o período de agosto de um ano a julho do ano seguinte – desta forma, é possível detectar o acumulado de destruição da floresta levando em conta os ciclos de chuva e seca, desmatamento e queimadas. Ela é apresentada em relatório do Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (Prodes), também do Inpe, órgão do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações. O dado consolidado mais recente foi atualizado nesta terça-feira.
Aumento em maio
Os dados do Deter indicam sinais de desmatamento em 829 km² da Amazônia em maio deste ano – em maio de 2019, foram 738,56 km². Ao consolidar os alertas de desmatamento emitidos de agosto de 2019 a maio de 2020, e comparar com o mesmo período anterior (agosto de 2018 a maio de 2019), o aumento é de 78%. Foram 3.653,42 km² sob alerta, e agora são 6.498,8 km².
O secretário executivo do Observatório do Clima, Márcio Astrini, afirma que os meses de junho e julho representam 40% de todo o desmatamento do período – ou seja, se os dados já apontam tendência de aumento, é provável que ela se confirme.
"Se a gente reproduzir o mesmo ritmo, teremos taxa de desmatamento maior que do ano passado. Podemos ir para quase 12 mil", afirma. "Os dados mostram que temos que nos preocupar. Alta [no desmatamento] é certo que vamos ter. Dificilmente não teremos uma alta considerável" – Márcio Astrini, do Observatório do Clima
"Os números indicam que o desmatamento está crescendo e continua acontecendo, mesmo após a repercussão das taxas do ano passado. Ele está mais agressivo. Os números vão subir e isso é fruto do que o governo faz de errado e se omite em fazer, o que seria sua obrigação", declara.
O Relatório Anual de Desmatamento, organizado pelo projeto MapBiomas, apontou que a Amazônia perdeu em 2019 uma área equivalente quase dois mil campos de futebol em floresta.
O mesmo estudo indica que 99% do desmatamento no bioma é ilegal – o que indica que poderia ser combatido com ações de fiscalização e medidas punitivas.
"Falta de informação não é, os dados mostram claramente onde está o desmatamento", afirma Ane Alencar, diretora de ciência do Instituto Pesquisa Amazônia (Ipam).
"Para reduzir o desmatamento, é só combater a ilegalidade. É só ir nas terras públicas [sem destinação] e nas terras indígenas e unidades de conservação – só aí, reduziria-se 50% o desmatamento, porque 40% ocorre em terras públicas e 8% em terras indígenas e áreas que deveriam ser preservadas", afirma Ane.
“De acordo com os compromissos assumidos na Política Nacional de Mudança do Clima deveríamos reduzir a taxa de desmatamento na Amazônia para 3.900 km² em 2020. No entanto, estamos seguimos na direção contrária. Em 2019, rompemos a triste barreira dos 10 mil km² e os alertas do Deter apontam para a possibilidade de ter uma taxa cerca de três vezes maior que a meta estabelecida para 2020, contribuindo negativamente para as mudanças climáticas e com a alarmante perda de biodiversidade”, comenta Cristiane Mazzetti da campanha da Amazônia do Greenpeace.
"O governo federal precisa parar de enviar sinais de que está do lado dos grileiros, garimpeiros e madeireiros ilegais, como tenta fazer com a ex-MP 910 e o atual PL 2633, que pode legalizar a grilagem", afirma Raul do Valle, diretor de Justiça Socioambiental do WWF-Brasil.
A função dos alertas de desmatamento
Os alertas de desmatamento do Deter são emitidos para orientar as ações de fiscalização e combate ao desmatamento ilegal. As imagens de satélite analisam área de 25 hectares e indicam onde há indícios de mudança de uso da terra.
Já a taxa oficial de desmatamento é medida pelo Programa de Cálculo do Desflorestamento da Amazônia (Prodes), que analisa áreas de 6 hectares, é revisada por técnicos, e permite uma verificação mais acurada do que ocorreu em cada parte da floresta.
Por analisar áreas maiores e ser rápido (e, por isso, não tão acurado), o sistema de alertas do Deter capta sinais de devastação geralmente menores do que é registrado na taxa oficial de desmatamento – assim, se há tendência de elevação nos alertas, é preciso ficar atento à destruição real da floresta.
Na temporada de 2018/2019, o sistema de alertas detectou mais de 6 mil km² com sinais de devastação – a taxa oficial de desmatamento para aquela temporada fechou em 10.129 km² de desmatamento. É a maior área desde 2008, quando o Prodes apontou 12.911 km² desmatados.
Projeção do desmatamento
Uma análise feita pelo Ipam e divulgada no fim de maio aponta que o desmatamento da Amazônia poderá atingir 11,9 mil km², caso a devastação em maio, junho e julho siga a média histórica – número maior que do período anterior, que fechou em 10,1 mil km². Na época da análise do Ipam, os dados consolidados de maio não haviam sido divulgados.
Para chegar a este dado, o Ipam analisou os alertas de desmatamento do Deter e o consolidado do Prodes, considerando que os alertas do Deter são, em geral, 51% inferiores ao registrado na taxa oficial.
O Ipam alerta que o avanço do desmatamento deve levar o Brasil a ter aumento nas emissões de gases do efeito estufa, mesmo com paralisação de atividades na pandemia.
Queimadas
Com tanta árvore derrubada, especialistas estimam que a temporada de queimadas também deverá ser maior este ano.
Uma análise feita pelo G1 em dados do Banco de Queimadas, do Inpe, mostra que a temporada de queimadas começa com alta nos registros de incêndios no Pampa, Pantanal e Mata Atlântica.
Os três biomas apresentaram aumento no total de focos no ano: Pampa, 343%; Pantanal, 186% e Mata Atlântica, 44%. Em termos absolutos, a Amazônia é o bioma com maior número de focos de incêndios, antes mesmo do início da estação mais seca do bioma. Entretanto, na Amazônia, o acumulado no ano é 35% inferior ao verificado em 2019.
"Você precisa de três coisas para as queimadas na Amazônia: estação seca, material combustível, e alguém que risque um fósforo. E parece que quem risca fósforo nunca se sentiu tão à vontade para promover a destruição da floresta. Tem a combinação meteorológica, que acontece todo ano; tem o desmatamento, que está aumentando e assim tem mais material combustível no chão; e essa situação de quem pratica crime ambiental e fica impune", afirma Astrini.
Fonte: G1